Migrações internacionais — democracia, demografia, desenvolvimento e segurança

Com a desvalorização da importância do fenómeno migratório tem-se colocado em causa o essencial e estruturante da democracia, da demografia, do desenvolvimento e da nossa segurança.

1. O fenómeno migratório, continua, todos os dias, em cada vez mais continentes e territórios do mundo, a estilhaçar e a desestruturar o que vários Estados e organizações internacionais têm feito (ou não feito!) decidido (ou não decidido!) e concretizado em matéria de políticas públicas e direito da imigração. E a pôr a nu que nada é pior do que negar a realidade. São muitas as fronteiras e vários os muros que nos separam e que nos enchem de vergonha em relação a estas matérias.

Com a desvalorização da importância do fenómeno migratório, como um dos mais relevantes para a nossa vida colectiva, tem-se colocado em causa o essencial e estruturante da democracia, da demografia, do desenvolvimento e da nossa segurança. Vejamos por exemplo na Europa, sobretudo a sul, o que está a acontecer na bacia do Mediterrâneo (oriental e ocidental), onde a “Europa paraíso”, qual miragem viciante e traiçoeira, vê cair-lhe a máscara de uma Europa sem memória e respeito pelos seus (outrora) valores de vida de inspiração cristã e humanista. Mas também o que acontece no Sudeste asiático, no mar de Andamão, junto à Birmânia, Tailândia e Indonésia, onde milhares de pessoas andam à deriva com portos e fronteiras marítimas que não se lhes abrem. E em África, no país que tanto combateu o apartheid, a África do Sul, onde recentemente se assistiu a uma vaga de racismo e de xenofobia, sem precedentes, contra estrangeiros e imigrantes, que levou a que o seu Presidente da República tivesse de pedir desculpa a países vizinhos pelo sucedido.

2. São exemplos (mas existem muitos mais) de como no século XXI, as migrações vieram para “ficar” como uma área da “governança” decisiva para o equilíbrio do mundo. Tudo isto acontece porque infelizmente os principais protagonistas a nível mundial (sobretudo políticos) têm feito quase tudo errado no que diz respeito ás migrações internacionais. Em pleno século XXI — o século do movimento dos povos o fenómeno migratório deve ser priorizado ao nível das políticas públicas de vários países e de vários continentes e ser assumido numa abordagem pró-activa integrada em vários vectores políticos, jurídicos, sociais, económicos, religiosos e até antropológicos.

3. Porque a imigração não é um problema. É uma oportunidade. Para os países (quer emissores quer receptores sobretudo) e para os imigrantes. E como oportunidade que é deve, ao nível de uma verdadeira política de imigração, estruturar-se e concretizar-se com base em dois critérios jurídico-políticos complementares a regulação dos fluxos migratórios de entrada e saída de cidadãos migrantes e a integração dos mesmos (independentemente dos modelos de integração) nos países de acolhimento. A abordagem dos fluxos migratórios no século do movimento dos povos, em que cerca de 3% dos sete mil milhões de pessoas que o mundo tem (com dois terços desse número a viverem na Ásia) são migrantes, deve existir uma abordagem contrária à dos “países-concha”. Porque os países e os territórios e os povos fechados sobre si mesmos têm os dias contados. Para a concretização de uma verdadeira política pública de imigração deveremos ter um Direito da Imigração, que se assuma como um importante instrumento jurídico dessa política. Um ramo da ciência jurídica que se assuma como um sistema de normas jurídicas que regule todo o universo das matérias adstritas às migrações internacionais.

4. A Europa, em matérias de imigração, asilo e direitos humanos, vive prisioneira da “nacionalização” e da “pulverização” de políticas alicerçadas na Europa fortaleza, desconformes com a defesa dos seus próprios interesses. Da sua democracia. Da sua demografia. Do seu desenvolvimento. E da sua segurança. Enquanto não deixar de reagir mas sim decidir, nestas (como infelizmente noutras) matérias, com base na sua tradição cristã e humanista e deixar de estar, ao nível das suas instituições, refém de interesses eleitorais de curto prazo de alguns governos dos seus países, continuará a não estar à altura da sua história e continuará a adiar o que não é adiável abrir-se como o fez durante muitas décadas a outros povos, com repercussões muito positivas, não só culturais, mas sobretudo económicas e sociais.

5. A Europa precisa de imigrantes. E precisa de construir uma política comunitária de imigração que assuma a sua herança cristã e humanista, assuma e valorize a importância económica, social e cultural dos imigrantes para o futuro do projecto europeu a médio e longo prazo e que projecte em todo o mundo a importância das migrações internacionais no século XXI como instrumento importante para um mundo mais equilibrado e desenvolvido, económica e socialmente. E equilibrado ao nível da sua segurança. Mas neste último particular precisa de abandonar a soberba e a unipolaridade, que lhe criaram mais problemas do que soluções nos últimos anos. É só olhar à sua volta e ver por exemplo o que acontece nas suas fronteiras a leste e a sul. Está cercada por “guerras” e por instabilidade, não só política, económica e social, mas também militar. Que aprenda as lições de vida com o que tem patrocinado no Norte de África e no Médio Oriente.

Deputado do PSD, mestre e doutorando em Direito

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