México pede que escândalos sexuais da Santa Sé sejam tratados como crimes de Estado

O Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças vai analisar o pedido do México bem como as respostas dadas, ao longo de décadas, pela Igreja Católica a queixas em vários países.

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Duas vezes inédito: o Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças vai, pela primeira vez, analisar um pedido para que o escândalo de abusos sexuais que envolve o Vaticano seja tratado como crime de Estado. O pedido será formalmente apresentada pelo México, esta quinta-feira, em Genebra, onde também pela primeira vez o comité vai analisar a resposta dada pela Igreja Católica às queixas relativas a abusos sexuais cometidos durante décadas e apresentadas não só pelo México mas também por vários países da Europa e Estados Unidos.

A documentação reunida por pessoas e associações nestes países será submetida esta quinta-feira ao Comité da ONU para os Direitos das Crianças, sedeado em Genebra, escreve o jornal espanhol El Pais, que entrevistou Alberto Athié, antigo padre de Coyoacán, no sul da Cidade do México. Para Athié, esta é uma “oportunidade histórica” de a ONU fazer justiça, depois de as queixas de pedofilia que ele próprio apresentou contra o fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, terem sido ignoradas no México e em Roma, diz. Alberto Athié abandonou o sacerdócio em 2000.

“A Igreja é responsável", considera. "Houve indicações de que a mais alta autoridade tentou proteger abusadores e encobrir a pedofilia, e isso resultou em mais casos e em que estes se prolongassem no tempo." O México apresenta ao comité 200 casos separados, reunidos num dossier de queixas de pedofilia apresentadas por 169 indivíduos e organizações. E pede que o escândalo na Santa Sé seja tratado como crime de Estado. Uma conclusão é esperada a 31 de Janeiro.

O Vaticano, na sua qualidade de Estado, está na lista de países que assinaram a Convenção das Nações Unidas para os Direitos das Crianças em 1990, quando foi criada. Outros assinaram e ratificaram mais tarde. Alguns assinaram sem nunca ratificar. A Santa Sé qualificou, na altura, a convenção de “instrumento louvável e adequado” na protecção dos direitos e dos interesses das crianças, considerando que esses direitos devem ser salvaguardados "antes e depois do nascimento". Ao mesmo tempo, ressalvava que "ao ratificar a convenção, a Santa Sé" não tencionava "prescindir de quaisquer missões específicas de carácter religioso ou moral".

O Vaticano diz que não ratificou o tratado em nome de todos os católicos do mundo e que as suspeitas ou casos de abusos sexuais devem ser investigados nos países onde foram cometidos. “Todos os membros da Igreja Católica estão vinculados às leis dos países onde vivem”, lê-se num documento que o Vaticano enviou, em Dezembro último, ao comité em Genebra em resposta a uma série de questões levantadas a propósito das queixas e perante o facto de o Vaticano, como país signatário da convenção, não apresentar regularmente relatórios a mencionar as respostas dadas aos casos conhecidos.

Os signatários da convenção criada em 1990 são obrigados a apresentar, todos os cinco anos, relatórios sobre a aplicação das cláusulas nos respectivos países, explica o El Pais. O jornal nota que, no caso do Vaticano, isso só aconteceu em 1995 e, muito mais tarde, em 2011. O relatório entregue neste ano omitia o escândalo que já era conhecido e público, relativo ao fundador no México dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel. “Não se encontra, em todo o documento, nenhuma menção relativa a abuso sexual”, salienta o antigo sacerdote mexicano Alberto Athié.

Dessa vez, porém, a ausência de qualquer menção foi notada, e o comité em Genebra questionou pela primeira vez a Santa Sé, em Julho de 2013. O comité requeria, entre outras coisas, “informação detalhada de todos os casos de abusos sexuais levados a cabo por sacerdotes, monges, freiras ou [pessoas] noutros cargos conhecidos da Santa Sé”, escreve o El País.
 
 

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