Merkel e Hollande respeitam “não” grego mas exigem "propostas concretas”

Gregos ainda vivem a ressaca do referendo e acreditam que tudo vai correr bem, mesmo sabendo que os bancos vão continuar fechados. Tsipras consegue ir a Bruxelas com o apoio da oposição e levará um novo ministro das Finanças, Euclides Tsakalotos.

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"Há urgência para a Grécia, há urgência para a Europa” Philippe Wojazer/Reuters

Enquanto o primeiro-ministro Alexis Tsipras conseguia, após seis horas de reunião, um acordo com todos os partidos gregos (excepto a Aurora Dourada, que não participou na reunião, e o Partido Comunista, que recusou) para uma frente negocial comum, em Atenas muitos gregos não desciam da nuvem em que estão desde a vitória esmagadora do “não” no referendo da noite de domingo.

Depois de mais de 60% dos gregos terem recusado nas urnas as propostas dos credores, como lhes pedira o Governo, a estratégia de Tsipras partiu de dois pilares – o afastamento do seu ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, figura que criou anticorpos e com quem os outros ministros europeus têm dificuldade em lidar, escolhendo para o substituir o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros Euclides Tsakalotos – e a apresentação de uma frente unida com os chamados partidos pró-europeus – Nova Democracia, To Potami (O Rio) e Pasok.

“Tsakalotos e Varoufakis têm as mesmas ideias em termos económicos”, disse ao PÚBLICO Dimitris Rapidis, analista do centro de estudos Bridging Europe.  “Na verdade, a demissão de Varoufakis é sinal de um endurecimento da voz das negociações”, defende. “Tsakalotos é da linha dura e um crítico feroz da austeridade – embora seja pró-europeu”, nota Rapidis. “Com o impressionante apoio no referendo, o Syriza tem mais um incentivo para pressionar no sentido de um acordo viável que inclua um corte generoso na dívida e um modelo de crescimento para os próximos anos”.

Na frente grega unida, incluindo partidos que agradam aos líderes europeus, todos se comprometeram a concretizar “reformas credíveis e um plano de crescimento”, pedindo por outro lado aos credores um acordo “socialmente justo e economicamente viável” com o começo de uma “discussão significativa sobre a dívida”.

Isso mesmo foi notado em Paris por François Hollande e Angela Merkel, que se reuniram para discutir a situação na véspera de todas as reuniões em Bruxelas: os ministros das Finanças têm encontro marcado antes do início de uma cimeira extraordinária de chefes de Estado e de Governo da zona euro, prevista para as 18h. Tanto Merkel como o Presidente francês afirmaram respeitar “o voto dos gregos”, um “voto de um povo num país democrático”, nas palavras da chanceler, e disserem ter ouvido “a mensagem de todos os partidos democráticos da Grécia que reafirmaram a sua vontade de permanecer na zona euro”.

“A porta das negociações continua aberta”, garantiu, por isso, Hollande. “A Europa é um conjunto fundado em valores e princípios, numa concepção do mundo. Nesta Europa há lugar para a solidariedade”, assegurou. “Mas também há responsabilidade. A Europa deve agora manter face a esta responsabilidade.”

Ambos insistiram na urgência – “não há muito tempo; há urgência para a Grécia, há urgência para a Europa”, disse Hollande – e na necessidade de Atenas apresentar “propostas muito concretas”. Independentemente dessas propostas, “será preciso ouvir a posição dos outros 18 membros da zona euro”, como afirmou Merkel.

De Washington, voltaram a ouvir-se apelos para que os dirigentes europeus cheguem a uma solução que permita “à Grécia permanecer na zona euro”.

Sabe-se que durante a longa reunião com a oposição grega e com o chefe de Estado, Prokopis Pavlopoulos, Tsipras foi obrigado a deixar a sala várias vezes para falar ao telefone com outros líderes europeus. Numa conversa com Merkel, “concordou que Atenas apresentará propostas” destinadas a concluir um acordo.

Situação insustentável
Dimitris Rapidis também fala em urgência e sublinha como “a situação é completamente insustentável e traiçoeira para todos os envolvidos”.

“Para o Governo grego, para os líderes da zona euro, para o sistema financeiro global. O facto é que apesar do triunfo do ‘não’ no referendo, muitos líderes europeus não receberam a mensagem e insistem na humilhação dos gregos”, nota.

O ministro das Finanças holandês, que é também chefe do Eurogrupo, por exemplo, insistiu que a vitória do “não” no referendo grego “não aproxima a Europa de uma solução” com Atenas. “De facto, a rejeição das propostas torna tudo mais difícil”, disse Jeroen Dijsselbloem. “Vamos ver, passo a passo, se podemos ainda salvar o processo.” Dijsselbloem foi ainda mais longe e escreveu uma carta ao Parlamento holandês, onde estava marcada uma discussão sobre o referendo grego: na missiva, defende que qualquer novo pacote de financiamento à Grécia terá de incluir “condições rigorosas”, semelhantes às que os gregos recusaram no referendo.

O primeiro-ministro holandês, o liberal Mark Rutte, veio depois dizer que “se a situação se mantiver, há um impasse” e que os gregos “devem aceitar reformas profundas” – “é a única solução”. Outros, como o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, afirmam-se confiantes que as reuniões de terça-feira em Bruxelas vão “indicar um caminho definitivo” para resolver “a situação de emergência” na Grécia. Esse é o problema que tem de ser resolvido a curto prazo, diz Renzi. O outro, mais "fascinante e complexo", é o da "construção da Europa".

Reconstruir a Europa
"Se ficarmos parados, prisioneiros dos regulamentos e da burocracia, a Europa acaba", escreveu o primeiro-ministro italiano na sua página no Facebook. "Há meses que insistimos para não falarmos apenas de austeridade e orçamentos, mas também de crescimento, infra-estruturas, políticas comuns sobre imigração, inovação, ambiente. Numa palavra: de política, e não apenas de parâmetros. De valores, e não apenas de números."

"Não vai ser fácil reconstruir uma Europa diferente, depois do que aconteceu nos últimos anos. Mas é o momento indicado para tentar fazê-lo, todos juntos. A Itália fará a sua parte." O problema é se nada mudar. Nesse caso, admite Rapidis “a Grécia será forçada a sair da zona euro”.

Com os bancos a permanecerem encerrados pelo menos até quarta-feira, “há relatos da falta de algumas coisas, sobretudo bens de primeira necessidade e medicamentos”, consequência do controlo de capitais. “Não há um plano específico para lidar com este cenário”, diz Rapidis. “Se houver um impasse na cimeira e no Eurogrupo ou não houver sinal de um acordo nos próximos dias, o Governo pode pedir a produtores, intermediários de alimentação, e todos os envolvidos na cadeia de produção para se coordenarem e conseguir assim pôr a circular bens em massa”, considera. “Parece um cenário distante, mas está tudo em cima da mesa.”

As farmácias têm sido um dos locais em que se verificam alguns problemas, especialmente nos medicamentos que dependem de importações, já que não é possível fazer transferências do estrangeiro.

“O que for, será”
Curiosamente, é de uma farmácia que vem uma das vozes mais contentes e despreocupadas que encontramos em Atenas. O farmacêutico Paul dá-nos as boas vindas na sua farmácia a cantar, e intercala a conversa com piadas. “Não nos falta nada. Temos tudo. Aqui na farmácia, e no país”, diz. “Também tivemos durante 40 anos os maiores ladrões do mundo, os políticos.” Mas agora “vai correr tudo bem”, diz, e não é porque goste deste Governo – “eu não sou de esquerda, hein?”, sublinha.

O que vai acontecer? “Vamos ter uma moeda alternativa, vamos poder exportar, temos produtos maravilhosos, vamos ficar bem”, responde o farmacêutico sem grandes hesitações.  

“O que for, será”, diz Olympia, numa loja de roupa perto da praça Syntagma, cheia de carteiras feitas de plástico reciclado e vestidos coloridos. “Claro que me importo com o dinheiro, tenho a loja, mas há coisas mais importantes. Que tivesse ganho o ‘não’ foi mais importante”, diz, já emocionada. “O resto há de se resolver.”

Como um lembrete do que é o resto, em Petralona, uma zona residencial de classe média da cidade, os caixotes do lixo continuam a ter pendurados nas laterais sacos de plástico com roupa, bonecos de peluche, ou mesmo pão – há já alguns anos que muitas pessoas vão deixando estes bens para quem possa precisar. A dada altura uma mulher idosa passa com o seu carro de compras e espreita discretamente, já não para o exterior, mas para o interior de um dos caixotes.

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