Cameron ignora aviso de Merkel de que se aproxima de "ponto de não retorno" em relação à UE

Revista Der Spiegel noticia que a chanceler alemã prefere saída do Reino Unido a mexer no princípio da livre circulação de pessoas dentro do espaço comunitário. Londres responde que pretende discutir revisão da política de imigração de forma "calma e racional".

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As derivas cada vez mais eurocépticas de Londres estão a exasperar Berlim Andrew Winning/Reuters

O primeiro-ministro britânico, David Cameron, mostrou esta segunda-feira que tenciona seguir em frente com as suas propostas para a restrição da entrada de cidadãos estrangeiros no país – e assim prolongar o braço-de-ferro com a chanceler alemã Angela Merkel, que classificou as propostas avançadas pelo líder conservador para uma revisão da política de imigração como um “ponto de não retorno” no relacionamento do Reino Unido com a União Europeia.

Segundo a revista Der Spiegel, em conversas com Cameron, Angela Merkel terá deixado muito clara a sua objecção ao estabelecimento de um sistema de “quotas” para limitar o acesso de imigrantes europeus ao Reino Unido, tendo inclusivamente considerado preferível a saída do país do bloco europeu à negociação de mudanças no tratado que viessem a pôr em causa o princípio da livre circulação – que garante a revista alemã, é absolutamente “sagrado” para a chanceler alemã.

Por intermédio do seu responsável das Finanças e braço direito do primeiro-ministro, George Osborne, o Governo britânico veio desdramatizar um cenário de desafio e até mesmo de confronto com Merkel ou com a União Europeia (EU), e ao mesmo tempo reafirmar a intenção de Cameron em agir em função do “interesse nacional e da economia do país”.

“Temos tido boas discussões com os alemães, que compreendem o desconforto da população britânica com cidadãos que chegam de outras partes da Europa para reclamar benefícios. Essa é uma situação que está a causar uma enorme pressão sobre os serviços públicos, e que tem de ser resolvida”, declarou Osborne, que garantiu que as negociações vão prosseguir de forma “calma e racional”, para “resolver esta questão da liberdade de movimentos no século XXI”.

Questionado sobre a notícia, o porta-voz do Governo alemão, Steffen Seibert, repetiu que “o princípio de livre-circulação na União Europeia é não-negociável”. “Trata-se de uma importante conquista europeia, que em caso algum deverá ser revista ou alterada. Essa não é uma posição deste Governo, ou sequer uma questão bilateral entre a Alemanha e o Reino Unido”, frisou. “A Alemanha deseja que o Reino Unido permaneça um membro activo e comprometido dentro da União Europeia”, continuou, ressalvando que não cabe a Berlim mas sim a Londres definir “qual é o papel que pretende desempenhar no futuro da união”, pressionou.

O porta-voz alemão não se referiu explicitamente à hipótese da saída do Reino Unido da UE – que a materializar-se seria um acontecimento sem precedentes na história da união. No entanto, o desabafo da chanceler transcrito pela Der Spiegel revela que essa eventualidade deixou de ser um tabu, e estará a ser encarada como uma hipótese real. Até agora Angela Merkel tinha manifestado abertura para discutir algumas das exigências do líder conservador britânico, que pretende renegociar as condições da participação britânica na UE a tempo do referendo que prometeu organizar se for reeleito nas legislativas do próximo ano. Mas a paciência da alemã estará no limite.

Depois do partido eurocéptico UKIP ter vencido as eleições europeias de Maio, após uma campanha que teve como principal alvo o aumento da imigração oriunda dos países mais pobres da UE, David Cameron endureceu fileiras, anunciando que iria propor medidas para limitar o direito de livre circulação no espaço europeu. Segundo a imprensa, uma das ideias em cima da mesa era limitar a emissão de números de segurança social aos trabalhadores recém-chegados com baixas qualificações. A Comissão Europeia criticou de imediato o projecto e, segundo a Spiegel, Merkel terá informado Cameron na última cimeira europeia de 25 de Outubro que qualquer proposta para limitar a liberdade de circulação violava um dos princípios fundamentais da UE.

Neste domingo, o jornal Sunday Times noticiou que Downing Street abandonou o plano original numa tentativa de aplacar a fúria de Berlim, e estuda agora uma proposta alternativa, que passa por “levar aos limites” as regras europeias, ordenando a saída dos cidadãos comunitários que, três meses após chegarem ao país, não tenham trabalho nem consigam demonstrar meios de subsistência. Mas de acordo com a Spiegel, o alegado plano B também não convence Merkel. “Se Cameron persistir, a chanceler abandonará os seus esforços para manter o Reino Unido na UE. Com isso, teremos chegado a um ponto de não retorno e será o fim”, disse à revista uma fonte do Governo federal.

O primeiro-ministro britânico prometeu apresentar as suas ideias definitivas para uma revisão da política de imigração antes do fim do ano. Osborne recusou adiantar detalhes sobre o pensamento de Cameron sobre o assunto – que é motivo de discórdia dentro do governo de coligação com os liberais democratas. O vice-primeiro-ministro e líder do Lib-Dem, Nick Clegg, veio a público criticar o “pânico” dos conservadores perante os ganhos eleitorais do UKIP, que os faz “abrir mão do lugar de charneira do Reino Unido na Europa”. Pelo seu lado, a oposição trabalhista lê na actual polémica com Merkel um sinal da “fraqueza” da liderança de Cameron e da “perda de influência e de aliados” do Reino Unido.

Apesar da pressão dos parceiros, não há qualquer indício de que outro Estado-membro queira forçar Londres a bater com a porta. O próprio David Cameron diz defender a permanência do Reino Unido na UE, mas exige cedências da parte dos seus aliados – nunca admitiu que fará campanha pelo “não” num eventual referendo, no caso de não conseguir as reformas que defende, mas essa é uma possibilidade em aberto.

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