Menos de 500 dias para garantir o desenvolvimento

Os ODM têm erros de origem. Erros que têm a ver com o carácter pouco participativo desse processo.

Em 2000, os Estados membros da Organização das Nações Unidas comprometeram-se a construir um mundo com mais dignidade para todas as pessoas até 2015.

Faltam hoje menos de 500 dias para esse prazo. A comunidade internacional, em geral, e os Estados, em concreto, têm menos de 500 dias para erradicar a fome e a pobreza extrema, garantir a universalização do ensino primário, empoderar as mulheres e garantir a igualdade de género, combater a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater e fazer retroceder as taxas de contágio do HIV/SIDA, tuberculose e malária, assegurar a sustentabilidade ambiental e construir uma parceria global para o desenvolvimento.

Não será necessário dizer-se que, não obstante os imensos progressos conseguidos ao longo deste quase 14 anos e que nos permitiu resgatar milhões de pessoas da fome e da pobreza extrema, garantir que milhões de crianças frequentam e concluem pelo menos um ciclo de educação, salvar milhões de crianças e mães, levar água de fontes melhoradas a outros tantos milhões de seres humanos, o balanço é mitigado.

E se tanto foi feito, outro tanto ficou por fazer. A paz, segurança e boa governação não foram identificados como fins a atingir, as alterações climáticas não figuraram na narrativa inicial, os jovens foram esquecidos, a população migrante negligenciada, a violência contra as mulheres ignorada e mesmo a igualdade de género e empoderamento de raparigas e mulheres apenas foram tocadas tangencialmente.

Os ODM têm erros de origem. Erros que resultaram do próprio processo de operacionalização da Declaração do Milénio em objetivos concretos e mensuráveis; erros que têm a ver com o carácter pouco participativo desse processo e com a forma célere como o mesmo se desenrolou. Hoje, a ONU tem em um curso um movimento de definição da nova agenda – a que se sucederá à dos ODM – que envolve Estados, organizações internacionais, fundos e programas das Nações Unidas, organizações da sociedade civil e cidadãos e cidadãs de todo o mundo.

A agenda para o pós-2015 desenha-se em fóruns internacionais, em cimeiras de chefes de Estado, em grupos de trabalho, plataformas online, reuniões informais, com o contributo de cada um de nós.

Será uma das agendas mais participadas de sempre, que deverá, também por isso, ser das mais representativas de sempre. Uma agenda que deverá ter a virtude de, tal como em 2000 a Declaração do Milénio tinha veiculado as conquistas das relevantes conferências internacionais de direitos humanos da década de 1990, agregar os compromissos do programa de ação para a população e desenvolvimento do Cairo, o legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e o trabalho em curso para definição de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (filhos da Rio+20).

Já muito se sabe sobre este quadro de referência; sabe-se, por exemplo, que estará assente numa abordagem de direitos humanos, abordará o desenvolvimento (económico, social e ambiental) de uma perspetiva sustentável, reconhecerá a centralidade dos jovens no processo de desenvolvimento, dedicará atenção especial (e um objetivo, espero eu) aos migrantes, adotará uma perspetiva de paz e boa governação, elencará a saúde e a educação como pilares fundamentais do desenvolvimento, reconhecendo que o combate às desigualdades – internacionais, mas também internas – é transversal a estes processos e a todos os outros que constarão da agenda pós-2015.

Fosse eu a autora desta agenda e as dinâmicas populacionais, os jovens as suas necessidades e o dividendo demográfico em que se constituem, a aposta nos direitos e saúde sexual e reprodutiva, o empoderamento de raparigas e mulheres e o reconhecimento da sua centralidade no processo de desenvolvimento seriam os alicerces do mundo mais digno que queremos construir.

O direito à felicidade não pode ser uma questão de sorte: de falta dela quando se nasce no mundo em desenvolvimento ou de muita sorte quando se nasce num país onde se pode viver com dignidade. O direito à felicidade é universal, indivisível e inalienável.

Deputada PSD; coordenadora do Grupo Parlamentar sobre População e Desenvolvimento; membro do Comité Executivo do Fórum Europeu de Parlamentares para a População e Desenvolvimento

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