Más notícias para Marine Le Pen

Para 56% dos franceses, Marine Le Pen é “um perigo para a democracia em França”, um nível inédito desde a sua ascensão à liderança da FN. Em 2013, apenas 47% a diziam um “perigo”.

Reserve as sextas-feiras para ler a newsletter de Jorge Almeida Fernandes sobre o mundo que não compreendemos.

Crescem os alarmes sobre a ascensão dos nacionalismos, dos populismos e das pulsões autoritárias na Europa. De França chega, entretanto, uma notícia interessante. Depois de ter estado em permanente ascensão nas sondagens — e no voto — desde 2011, a Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen, dá sinais de estar a perder dinamismo e em risco de ver falhar a sua “grande estratégia” política. 

O “Barómetro 2016 da imagem da Frente Nacional” (TNS/Sofres) revela a enorme tensão entre as suas duas faces: a natureza de partido tribunício e o objectivo de entrar na área do poder. O Le Monde deste sábado fez da sondagem a sua manchete: “Le FN de Marine Le Pen en panne de credibilité”. Por coincidência, o estado-maior do partido esteve reunido este fim-de-semana para debater a estratégia para as presidenciais de 2017, tendo no centro a espinhosa questão do euro. 

“Perigo para a democracia”
A sondagem não traz números sensacionais. Apenas regista pequenas tendências e sabemos que a opinião pública é flutuante. Deve ainda ter-se em conta que foi feita numa conjuntura que à primeira vista seria favorável à FN: o clima de insegurança que se seguiu ao terrorismo jihadista e que fez crescer o apelo à ordem e à segurança. A sondagem confirma a grande força de atracção do partido. Não é isto que está em causa. Não autoriza, de modo nenhum, a prever um declínio eleitoral, sublinha antes a hipótese de um impasse político.

A percentagem dos que se dizem opostos às ideias da FN mantém-se constante: 62%. Mas a “adesão às suas ideias” desce ligeiramente: de 33 para 31%, o que não é significativo. Mas duas grandes bandeiras do seu programa continuam a ser pesadamente rejeitadas. A “preferência nacional” em matéria de emprego é apenas aprovada por 24 contra 72% que a rejeitam. O abandono do euro é aprovado por apenas 26% — eram 34 em 2011. De resto, o euro divide a própria FN, onde a saída da moeda única é aprovada por uma curta maioria dos simpatizantes — 53%.

O número de franceses que desejam que Marine desempenhe um papel mais importante no futuro continua elevado — 23% — mas seis pontos abaixo do ano passado. Apenas 22% dos inquiridos pensam que ela poderia ser “uma boa Presidente da República”, contra 66 que têm a opinião contrária. 

Para os analistas da TNS/Sofres, há outro número que “parece marcar a travagem do fenómeno de ‘desdiabolização’ da FN”: 56% dos inquiridos consideram-na um “perigo para a democracia em França”, um nível inédito desde a sua ascensão à liderança do partido em 2011: em 2013 apenas 47% a consideravam um “perigo”. 

A FN e a direita
É da direita que vêm as maiores novidades. Marine Le Pen proclama-se desde a vitória nas eleições europeias de 2014 líder do “maior partido de França”. As regionais de 2015 confirmaram dois fenómenos. A FN teve o maior número de votos da sua história, vencendo na primeira volta em seis das 13 regiões. Mas o “cordão sanitário” funcionou na segunda volta (graças ao PS) e a FN não conquistou nenhuma das regiões. Não ganhou porque não tinha aliados. “A FN tornou-se uma potência eleitoral mas é por enquanto uma potência solitária”, resumiu o politólogo Pascal Perrineaud.

Para entrar na área do poder, Marine quer desmontar o actual quadro político-partidário. Conseguiu pôr em xeque o modelo bipolar da V República, impondo um “tripartidarismo”: esquerda, direita e extrema-direita, três áreas com votações entre os 20 e os 30%. Mas nenhuma das três se pode aliar a outra, o que ameaça a estabilidade do sistema. 

Para eliminar o “cordão sanitário” e forçar a direita a governar com a FN, Marine quer fracturá-la e reorganizá-la em seu proveito, atraindo o seu eleitorado. Quer formar uma “direita nacional” sob a sua hegemonia, que se defrontaria com a esquerda. A passagem à segunda volta nas presidenciais de 2017 seria o momento decisivo: Marine sabe que não pode vencer mas quer impor-se como um actor incontornável nos sistemas de alianças. O seu cenário ideal seria disputar a segunda volta contra François Hollande, fazendo implodir Os Republicanos (LR), de Nicolas Sarkozy. 

Nos últimos anos, com Sarkozy, o centro de gravidade da antiga UMP e do actual LR deslocou-se para a direita e cresceu a “porosidade” entre os dois eleitorados. É esta tendência que o barómetro põe em causa. A maioria dos simpatizantes do LR recusa qualquer aliança com a FN. Apenas 3% aprovam uma “aliança global” (menos 8 do que no barómetro de 2014). A percentagem dos que aprovam acordos pontuais desce de 45% para 38. E passam de 8 para 24% os simpatizantes do LR que defendem que o partido deve “combater a FN”.

A confirmar-se — repito, a confirmar-se — esta tendência ameaça pôr em xeque a estratégia de Marine Le Pen. 

O euro e o resto
Outro objectivo da FN é destruir o “consenso europeu” dos partidos franceses. Cavalgando a vaga de descontentamento com a União Europeia, propõe o abandono do euro e, inclusive, a hipótese de sair da UE. O programa económico — nacionalista, proteccionista, antiglobalização, encerramento das fronteiras, fim da imigração ou a defesa da segurança social para os franceses — atrai votos mas fere a credibilidade de vocação governamental da FN e de Marine Le Pen. Para alguns dirigentes, o ideal seria falar muito no programa económico e o menos possível no euro, que afasta eleitores. Mas é difícil porque toca num ponto sensível da identidade do partido. 

Explicou esta semana à Reuters Florian Phillipot, o estratega do partido: “A FN é um partido soberanista. Não podemos ser soberanistas nuns pontos e noutros não.” Considera a moeda nacional como um “fundamento político” e a chave da “soberania económica” em que assenta o programa da FN, o único partido francês que propõe a saída do euro e que, com isso, quer captar o voto “anti-sistema”.

É altura de lembrar que o arsenal ideológico que fez crescer a FN assenta na sua concepção étnica da identidade nacional, na exploração da xenofobia (hoje islamofobia) e da insegurança — a começar pela insegurança económica —  e na permanente denúncia das elites “indiferentes ao sofrimento popular”. 

São temas que hoje se manifestam em muitas geografias. O jornalista Martin Wolf resumiu este último e decisivo ponto em dois artigos recentes no Financial Times que vale a pena ler: “The economic losers are in revolt against the elites” (Os perdedores económicos estão em revolta contra as elites) e “Bring our elites closer to the people” (Aproximem as nossas elites do povo). Os temores sobre o que se passa na Europa, de Marine Le Pen ao britânico Nigel Farage, passando pelo polaco Jaroslaw Kaczynski, são agravados pelo que se passa na campanha eleitoral americana, com Donald Trump ou Ted Cruz. Lembra que “os perdedores também votam”. E conclui: “A questão vital é se e (como) as elites ocidentais podem ser levadas a aproximarem-se do povo.” 

Para lá dos dissabores “à direita” que Marine Le Pen possa vir a sofrer, convém lembrar que a FN só se tornou numa potência quando arrancou à esquerda grande parte do seu eleitorado popular. E isto não mudou.

Sugerir correcção
Comentar