Brigadas chavistas chamadas para travar os manifestantes anti-Governo

Governo venezuelano muda lugar da audiência de Leopoldo López - o líder da oposição será presente a um juiz em Ramo Verde, nos arredores de Caracas, e não no Palácio da Justiçaonde milhares de pessoas o esperavam.

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O chavismo perdeu parte das suas bases de apoio: os mais pobres e a classe média AFP

Começaram os confrontos na Venezuela, onde há duas semanas a população se manifesta contra o regime chavista. Apesar do aparato policial e militar nas ruas, as agressões estão a ser cometidas por brigadas de apoio ao Governo conhecidas por “colectivos”.

Em Valência, no estado de Carabobo, Génesis Carmona, de 21 anos — uma figura pública local, no ano passado tinha sido eleita Miss Turismo —, morreu esta quarta-feira depois de ser atingida com um tiro na cabeça quando participava numa marcha de protesto. Segundo o jornal venezuelano El Universal, o governador de Carabobo, Francisco Ameliach, pedira na terça-feira às Unidades de Batalha Bolívar-Chávez locais para prepararem um “contra-ataque fulminante” contra os “fascistas”. A ordem para accionar esses batalhões, disse o governador, foi dada pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello.

Nos confrontos, Génesis Carmona morreu e vários estudantes ficaram feridos. Em Caracas, a capital, cinco estudantes também foram agredidos por membros dos “colectivos”. "Os estudantes foram agredidos pelos 'colectivos' quando tentavam fugir deles", disse em comunicado a associação nacional de estudantes do ensino superior da Venezuela.

Na capital venezuelana, milhares de pessoas concentraram-se desde manhã em frente ao Palácio de Justiça, esperando a chegada do dirigente da oposição Leopoldo López, detido no dia anterior durante mais uma (e giganesca, terão participado mais de cem mil pessoas; noutra, pró-governo participaram também cem mil pessoas) manifestação anti-chavista.

O Governo, porém, deciciu a meio da tarde (já noite em Portugal) que a audiência de López não s erealizará ali. Será em Ramo Verde, a prisão nos arredores de Caracas para onde o líder da oposição foi levado depois de detido, noticia o El Universal.

“Não deixaremos Leopoldo até que recupere a sua liberdade”, disse ao final da manhã a deputada da oposição María Corina Machado, que estava junto ao Palácio de Justiça. "Agora o caminho é a luta.”

O apelo foi claro: a vaga de contestação ao regime do Presidente Nicolás Maduro não deve parar. Os cidadãos — os que partilham da visão da oposição e os descontentes com o Governo, que são muitos — estão, para já, a corresponder, juntando-se em vários locais da capital.

Em alguns pontos, e de acordo com os relatos dos jornalistas da Reuters e AFP em Caracas, estão criadas condições para continuar as manifestações de protesto. Há ruas com barricadas (algumas incendiadas), que foram erguidas durante a noite como barreira de protecção contra eventuais avanços da polícia. O pior cenário — a repressão dos protestos — não aconteceu; no dia 12 de Fevereiro morreram quatro pessoas nos confrontos entre os manifestantes e a polícia na capital e noutras cidades do país.

Durante uma noite ruidosa — os habitantes de Caracas bateram panelas pela madrugada, uma forma tradicional de protesto —, a polícia foi obrigada a fechar algumas vias de Caracas devido a escombros ou a incêndios.

“Leopoldo é vítima de um processo judicial fabricado”, disse numa conferência de imprensa na quarta-feira de manhã o presidente da câmara de Caracas, Antonio Ledezma, que esteve ao lado de López (dirigente do partido Vontade Popular). 

Junto ao Palácio da Justiça, María Corina Machado — considerada o braço direito de López — definiu o objectivo deste movimento de desobediência civil a que foi dado o nome de “A Saída” — derrubar o regime. “Nicolás Maduro e o seu Governo perseguem, reprimem, torturam e acusam. Isto é uma ditadura.” 

Leopoldo López poderá ser acusado de “terrorismo” por incitamento à violência, e responsabilizado pela morte de pelo menos três das vítimas de 12 de Fevereiro — a quarta foi atropelada por um condutor que atirou o carro contra os manifestantes. O líder da Vontade Popular entregou-se à polícia na terça-feira mas, antes, filmou um vídeo com um testemunho e um apelo: “Nada tenho a recear. Não cometi qualquer crime. Tenho sido sempre um venezuelano profundamente comprometido com o meu país e o meu povo (...) Hoje, mais do que nunca, a nossa causa tem que ser o fim deste governo. Tem que ser a saída deste desastre. A saída deste grupo de pessoas que raptaram o futuro da Venezuela está nas nossas mãos. Vamos lutar”. No vídeo, pede aos apoiantes para se vestirem de branco nas manifestações desta quarta-feira, por ser a cor da paz, para frisar que têm intenções pacíficas.

Mas os analistas venezuelanos dizem que o que se vai passar a seguir dependerá muito do que acontecer com Leopoldo López — será acusado ou posto em liberdade?

A origem da contestação

As manifestações de contestação ao Governo começaram há duas semanas e na sua origem esteve um protesto estudantil devido ao aumento da criminalidade e violência na Venezuela. As formações da oposição foram aderindo e as manifestações ganharam uma nova agenda, estando agora em causa todo o sistema político venezuelano, ou seja, o chavismo. O próprio Presidente Maduro já percebeu que é assim e chamou à vaga de contestação “um golpe de Estado em curso”.

“Quinze anos depois da revolução socialista chavista — e quase um ano depois da morte do seu carismático fundador, Hugo Chávez — o novo líder do movimento está a ficar sem tempo para consolidar um regime político e económico sólidos”, escreveu o analista político Andrés Cala no site consortium news.

Quando Chávez morreu, a 5 de Março de 2013, as razões da grave crise que a Venezuela atravessa já existiam. A governação de Maduro acentuou-as ao ponto de parte das bases revolucionárias começarem a dizer que chega. A taxa de violência é uma das mais altas do mundo, a inflação é imensa (56% no ano passado). O país depende da importação de muitos bens e não tem moeda (dólares) para os comprar, o bolívar está hiperdesvalorizado. Há escassez de bens essenciais como o leite ou o papel higiénico. Os apagões são frequentes em muitas zonas do país, sobretudo nas rurais, mas de vez em quando também não há luz em Caracas. A produção interna de bens e alimentos é escassa. 

Maduro pediu ao Parlamento poderes especiais para governar por decreto. Os primeiros tiveram pouco impacto: ordenou o encerramento de uma cadeia de lojas de electrodomésticos porque os preços eram muito altos e regulamentou o preço dos automóveis. Subiu o salário mínimo, mas os efeitos foram insignificantes perante a inflação.

A Venezuela está paralisada política e economicamente. E Maduro não parece ter soluções. Nem um discurso alternativo ao habitual: a oposição, ajudada pelo estrangeiro, boicota a economia venezuelana, repete. “Estou neste lugar há dez meses e há dez meses que a oposição me tenta matar. Durante quanto mais tempo vai a direita prejudicar o nosso país?”, disse o Presidente na terça-feira, depois da detenção de Leopoldo López.

Ao fim de 15 anos de chavismo, a Venezuela está fraccionada. As manifestações provam-no. “Estamos fartos disto. A decisão de Leopoldo de se entregar mexeu comigo”, disse à BBC a estudante Maria Gabriela Guerrero, de 24 anos, que foi para a porta do Palácio de Justiça. ”Estamos preparados para dar a nossa vida”, disse o reformado Juan Marquez, de 68 anos, também à espera de Leopoldo López. Letitia Suarez, que vive num bairro de lata nos arredores de Caracas, disse à Foreign Policy: "Tenho que ir à cidade à procura de comida mas lá também não há nada. É uma batalha constante para encontrar alimentos. Passo horas nas filas e há sempre pancada."

“Neste momento — escreveu Andrès Cala —, a sobrevivência do chavismo depende inteiramente da opinião pública. Desde Maduro que [o regime] tem poucos meios de repressão e depende da lealdade dos mais pobres e de, pelo menos, parte da classe média. O desafio do Presidente tem sido provar que o chavismo é suficientemente maduro para poder sobreviver ao fundador. (...) Mas não sobreviverá se Maduro não conseguir dar sustentabilidade económica à revolução que herdou”.

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