Aznar processa o El País enquanto meio milhão pedem demissão de Rajoy online

Departamento anticorrupção do Ministério Público espanhol quer ouvir de novo ex-tesoureiro do Partido Popular.

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Rajoy está a ponderar o que vai fazer a seguir PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP

Mais de meio milhão de pessoas assinaram desde ontem uma petição online para que o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, se demita, indignados com a revelação de que terá havido uma contabilidade paralela no Partido Popular que durante duas décadas permitiu aos dirigentes do PP beneficiar de dinheiro recebido de donativos empresariais ilegais. Os juízes anticorrupção querem falar com o ex-tesoureiro do PP, e José Maria Aznar processou o El País.

Disponibilizada na plataforma Change.org e divulgada nas redes sociais desde ontem com etiquetas como #Rajoydimisión ou #quesevayantodos, a petição exige a “demissão da cúpula do PP” e de “todos os que receberam 'dinheiro negro’” e que são identificados na contabilidade secreta do ex-tesoureiro do PP Luis Bárcenas revelada pelo El País.

Bárcenas, citado pela Justiça desde 2009 no âmbito do caso Gürtel, uma ampla rede de corrupção que junta empresas e políticos do PP, vai voltar a ser chamado a depor pelos juízes anticorrupção. Querem ouvi-lo sobre a sua  conta milionária na Suíça, que atingia 20 milhões de euros em Dezembro de 2011, e a amnistia fiscal de 2012 de que alega ter beneficiado para branquear perto de 11 milhões de euros — embora as autoridades fiscais garantam desconhecer que ele o tenha feito.

Isto não quer dizer que seja possível, por ora, relacionar o dinheiro desta conta na Suíça com a chamada “contabilidade B” do PP, revelada pela documentação de Bárcenas publicada pelo El País. Por isso, o procurador-geral espanhol, Eduardo Torres-Dulce, ordenou ao departamento anticorrupção do Ministério Público que investigue a relação entre os pagamentos à cúpula do PP com o caso Gürtel, uma extensa trama de corrupção e enriquecimento ilícito que afectou o PP. A Fiscalía Anticorrupción deverá determinar se as entregas de dinheiro a dirigentes do PP indiciam algum delito imputável aos políticos. 

O El País garante que vários dirigentes destacados do PP confirmaram a contabilidade paralela revelada pelos documentos que publicou. Um deles é o actual presidente do Senado, Pío García Escudero, que logo ontem confirmou ter pedido um empréstimo de cinco milhões de pesetas ao partido para reconstruir a sua casa em Madrid, destruída por um atentado da ETA. Outro é Jaume Matas, ex-ministro do Ambiente de José Maria Aznar.

Dois vereadores do PP pediram entretanto a demissão, manifestando o seu espanto com as notícias vindas a público. Eduardo Junquera, vereador de Gijón, ironizou dizendo que se demitia por "motivos de saúde": "Não por estar doente, mas para não me pôr doente por causa do caso Bárcenas", relata o El País

Mas a reacção oficial do PP, através de Dolores de Cospedal, secretária-geral do partido, e de Soraya Saénz de Santamaría, vice-presidente do Governo, foi negar a veracidade dos documentos do El País e garantir a honestidade de Mariano Rajoy.

"Conduta exemplar"

"Sempre vi em Mariano Rajoy uma conduta exemplar e o exemplo de uma vida correcta e dedicada ao serviço público", garantiu a vice-presidente do Governo, que trabalha com Rajoy há 12 anos, no final da reunião do Conselho de Ministros, confirmando que este sábado o primeiro-ministro dará explicações públicas sobre o caso aos espanhóis.

De acordo com o El País, Mariano Rajoy e os seus próximos estão a estudar outras formas de contestar a intensa onda de indignação causada por estas revelações. Uma possibilidade é publicar as declarações de IRS de Rajoy e dos restantes membros da direcção do PP que surgem nos papéis do ex-tesoureiro do PP Luís Bárcenas – porque não basta negar, há que oferecer provas, defendem alguns dirigentes.

 
O Partido Popular tem tentando passar a ideia de que existiria um sistema para pagar despesas de representação aos líderes do partido, mas que seria declarado às finanças, diz o El País. Alguns dirigentes, como o presidente do partido e o secretário-geral, receberiam sempre estes extras. 

Os documentos revelados pelo El País, escritos pela mão de Barcenas, seriam o assentamento do dinheiro recebido de vários empresários e empresas espanholas que depois era canalizado para diversos dirigentes importantes do PP. Rajoy recebeu 25.200 euros anuais durante 11 anos, segundo estes documentos, mas não era o único a beneficiar deste esquema. Por exemplo, Dolores de Cospedal (actual secretária-geral do PP), Rodrigo Rato (foi vice-secretário-geral), Javier Arenas (ex-presidente do PP da Andaluzia, ex-secretário-geral do PP e hoje vice-secretário para a Política Autonómica), ou Ana Palacio (ex-ministra de Exteriores).

Ironicamente, teria sido Rajoy e a sua secretária-geral, Dolores de Cospedal, que acabaram com este sistema, em 2009, pouco depois de assumirem o poder no partido, diz ainda o El País, citando fontes próximas dos últimos tesoureiros do PP.

Aznar defende a honra

O esquema teria sido concebido pelo ex-primeiro-ministro José Maria Aznar, porque não queria cobrar ao partido um ordenado maior, dizia a 19 de Janeiro o El País. Esta sexta-feira, os advogados de Aznar avançaram com uma acção judicial contra o jornal por “violação do direito à honra”, considerando que lhe atribuiu “alegadas condutas e decisões ilegais na gestão económica do PP”.

Mas as doações feitas ao partido vão contra o estabelecido na Lei de Financiamento dos Partidos Políticos vigente entre 1997 e 2007, diz o El País, porque são superiores ao montante máximo permitido por pessoa singular ou jurídica (10 milhões de pesetas ou 60.101 euros por ano). Há donativos de 250 mil euros de uma vez, e de 400 mil euros de uma única pessoa, num ano. Outra ilegalidade é os donativos virem de empresas que prestam serviços ou fazem obras para a administração pública — e a maior parte provém de empresas de construção civil.

Curiosamente, avança o El País, entre os doadores surge também o nome de um ex-presidente do Tribunal de Contas, Ubaldo Nieto. Esta é a instituição que verifica a contabilidade dos partidos políticos.


 
 


 
 
 
 
 

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