Madrid aprova privatizações na saúde, médicos em greve há cinco semanas

Seis hospitais e 27 centros de saúde serão privatizados a partir de Fevereiro. Ou não. Os médicos acusam o governo de impor um plano ideológico que não discutiu com o sector e que não vai permitir poupar.

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Os protestos dos médicos têm sido frequentes nas últimas semanas Susana Vera/Reuters

O jornal El País quis registar a hora: foi às 17h21 desta quinta-feira que a assembleia da Comunidade de Madrid aprovou “o maior plano de privatizações da saúde em Espanha”.

Não é para menos. Em causa, para já, estão seis hospitais e 27 centros de saúde — que servem 1,5 milhões de pessoas na região da capital —, mas o plano, que abriu uma verdadeira guerra entre médicos (e enfermeiros e auxiliares) e governo regional, poderá em breve ser imitado noutras regiões do país.

Nem só de números se mede a contestação provocada pela iniciativa do governo regional de direita (o Partido Popular tem a maioria na Comunidade) mas os números são significativos. A votação da Lei de Medidas Fiscais e Administrativas, que permite avançar para as privatizações, foi aprovada um dia depois de os médicos entrarem na sua quinta semana de greve indefinida, uma paralisação que está a ser cumprida por 70% dos profissionais e que já fez suspender 6000 cirurgias não urgentes e 40 mil consultas.

Nestas cinco semanas, houve seis dias de paralisação total convocados por todos os sindicatos do sector e quatro “marés brancas”, dias em que profissionais da saúde encheram as ruas de Madrid com as suas batas brancas. A isto é preciso juntar cartas abertas de associações científicas e colectivos profissionais contra o que o governo regional chama “plano de sustentabilidade” desenvolvido para popular 500 milhões de euros.

Há mais: com as negociações completamente bloqueadas, as direcções dos 270 centros de saúde da região aprovaram a semana passada demitir-se em bloco para tentar travar as privatizações. As direcções de pelo menos 125 centros (400 pessoas, ao todo) já confirmaram que se demitem. Nesta quinta-feira, começaram as demissões nos hospitais.

“Chamo-me Belén Padila, do hospital Gregorio Marañon. Trago a minha demissão e a de muitos companheiros que não puderam vir. [...] Demito-te do comité de infecções e políticas de antibióticos ao qual pertenço há 20 anos e do comité de investigação científica.” O El País passou a manhã na Ordem dos Médicos a ver desfilar os que apresentaram esta demissão simbólica no dia da aprovação final da lei.

“Estamos a fazer de forma simbólica o que já fizemos nos nossos hospitais. Trata-se das demissões das juntas técnicas de assistência e das comissões, excepto as de tumores e ensino”, explicou Fátima Brañas, porta-voz da Associação de Médicos Especialistas de Madrid.

Em greve e demissionários — só das funções de direcção — os médicos de Madrid estão a perder entre 150 e 200 euros por dia, nas contas do diário espanhol Público, e estão decididos a continuar a luta (pelo menos um hospital, o 12 de Outubro, criou um fundo de greve para ajudar quem resiste). Para José Luis Quintana, médico de família e director do centro de saúde de Getafe, a privatização dos 27 centros “é um despropósito”, algo que “nunca ninguém fez” e que “implica destruir um sistema de qualidade de baixo custo e transformar impostos dos madrilenos em lucros de pessoas ou empresas”.

“Regiões, médicos e governantes de toda a Espanha olham para Madrid. No fundo de tudo isto não está só a poupança — de facto, não acredito que se poupe —, está uma forma de entender a prestação de cuidados de saúde. Não se privatiza para poupar mas por ideologia”, defendeu, entrevistado há uma semana pelo El País. Grande parte do sector parece concordar.

“Sejam bem-vindas”

Da parte do governo regional sucedem-se declarações que parecem destinadas a inflamar a contestação. “Se quisessem, os médicos poderiam operar hoje os pacientes que viram as suas cirurgias adiadas. Por que não operam? Porque não quem, e mais nada”, disse o presidente do governo regional, Ignacio González. “Sejam bem-vindas as demissões”, dissera no dia em que as demissões como arma de pressão foram discutidas numa assembleia da Ordem dos Médicos — no mesmo dia, o conselheiro para Saúde do executivo, Javier Fernández-Lasquetty, ameaçou demitir os médicos que abandonassem funções directivas.

Para o governo de González (apoiado pelo primeiro-ministro, Mariano Rajoy) não há nada a debater. A lei está aprovada e as empresas podem apresentar-se aos concursos de gestão destes hospitais e centros de saúde a partir de 1 de Fevereiro.

Nesta quinta-feira, o PP votou sozinho a lei. À oposição, socialistas e UPyD (partido da ex-socialista Rosa Díez), restou pedir a demissão de Fernández-Lasquetty. “O senhor Lasquetty planeou a privatização de forma imprudente e irreflectida. Causou um grande mal-estar e é um obstáculo a este conflito”, disse o porta-voz do grupo parlamentar da UPyD, Luis de Velasco. “Privatizam a saúde para fazer negócio. Senhor Lasquetty, exijo que se demita”, afirmou o socialista Antonio Carmona.

Esta não é a única medida no sector da saúde a enfrentar contestação em Espanha: os protestos contra cortes de orçamento, introdução de taxas nos hospitais, diminuição na comparticipação de medicamentos e despedimentos arrastam-se há meses na Andaluzia, na Catalunha ou nas Astúrias.

“O sistema de saúde é de todos. Não se pode ignorar os especialistas e fazer uma coisa assim. No sistema de saúde é uma novidade que o Governo avance sem debate prévio e sem ter em conta a opinião dos profissionais. Duvido que as próprias empresas queiram entrar neste jogo”, afirmou o presidente da Associação de Médicos Especialistas de Madrid.

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