Londres distrai-se com a intriga, a economia dá "sinais claros" de choque

Governo britânico desiste da meta de chegar a 2020 sem défice nas contas públicas. Michael Gove diz que fez "quase tudo o que podia" para não ser candidato à sucessão de Cameron

Foto
“Seja carisma o que for, eu não o tenho", admitiu Gove Niklas Halle´n/AFP

Enquanto no Partido Conservador se contam espingardas e no Labour se aguarda o próximo capítulo da rebelião contra Jeremy Corbyn, começam a materializar-se os primeiros efeitos da anunciada saída do Reino Unido da União Europeia. Nesta sexta-feira, o ministro das Finanças abandonou aquela que era uma das peças centrais do programa de Governo, confirmando que o “Brexit” impedirá o país de chegar ao final da legislatura com excedente orçamental.

O vazio de liderança – o primeiro-ministro demissionário, David Cameron, tem limitado ao mínimo as suas intervenções e os dois maiores partidos estão imersos nas suas contendas internas – agrava o clima de incerteza, que os líderes europeus tentam aliviar insistindo na pressão sobre Londres para que concretize a decisão tomada no referendo de 23 de Junho. “A decisão foi tomada, não pode ser adiada nem anulada”, afirmou o Presidente francês, François Hollande, durante as comemorações do centenário do início da batalha do Somme. “Não há tempo a perder” para concretizar o divórcio, insistiu o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.

Mas os dois candidatos na frente da corrida à liderança dos conservadores – e por inerência a ocupar o nº 10 de Downing Street – não dão mostras de ter pressa: o ainda ministro da Justiça, Michael Gove, disse que não planeia desencadear o processo “antes do final do ano”, um prazo idêntico ao previsto por Theresa May, que tutela a Administração Interna.

A economia, no entanto, não gosta de impasses e, depois de uma semana em que a libra atingiu mínimos em 30 anos e a bolsa londrina sofreu perdas sucessivas, George Osborne confirmou o inevitável. “Vamos continuar a ser inflexíveis com o défice, mas temos de ser realistas sobre [a hipótese] de atingir um superavit até ao final da década”, reconheceu o ministro das Finanças, acrescentando que a economia está já a dar “sinais claros” do choque causado pela vitória do “Brexit”.

Na véspera, o governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, afirmou que a instituição terá durante este Verão de criar um “estímulo monetário” para contrariar as tendências recessivas. E na frente empresarial, a Easyjet juntou-se ao rol de companhias que já anunciaram planos de contingência, revelando que pediu o certificado de transportador aéreo noutro país da UE, para garantir que não perderá o livre acesso ao espaço aéreo europeu.

Indiferente aos alarmes, a política britânica mantém-se presa às intrigas de Westminster. E nesta sexta-feira, as atenções estiveram centradas em Gove, protagonista de um golpe – “traição” é a palavra mais usada pela imprensa desta sexta-feira – que afastou Boris Johnson da corrida à sucessão de Cameron.

No discurso de apresentação, Gove repetiu que fez “quase tudo o que podia para não ser candidato” e foi ao ponto de admitir que não tem muitas das qualidades que se atribuem a um primeiro-ministro: “Seja carisma o que for, eu não o tenho.” Mas diz ter chegado à conclusão de que o antigo mayor de Londres “não era a pessoa certa” para unir o país. Sobre os planos de saída da UE, comprometeu-se a pôr fim à liberdade de circulação de trabalhadores (sem mencionar que isso custará ao Reino Unido a exclusão do mercado único) e a dedicar ao serviço nacional de saúde um terço das verbas que o país envia actualmente para Bruxelas.

Os primeiros sinais não lhe parecem, no entanto, muito auspiciosos, com May a surgir como favorita em várias frentes: tem já o apoio de dezenas de deputados (apenas cinco parlamentares estiveram na apresentação de Gove) e também do jornal Daily Mail, onde a mulher de Gove é uma das principais colunistas.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários