Kobani prepara-se para assalto dos jihadistas, curdos fazem ultimato a Ancara

No dia em que o Parlamento turco autorizou operação militar na Síria e no Iraque, o líder do PKK avisou que negociações de paz vão terminar se Ancara deixar que radicais tomem cidade curda junto à fronteira.

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Soldado turco em patrulha na fronteira junto a Kobani Bulent Kilic/AFP

Quase vazia e defendida por uma guerrilha mal armada, Kobani preparava-se nesta quinta-feira para combates rua a rua – após duas semanas de ofensiva, que os ataques aéreos não travaram, os jihadistas estavam a menos de um quilómetro da cidade curda colada à fronteira com a Turquia. O Parlamento de Ancara aprovou a moção que autoriza o Exército a intervir contra os radicais na Síria e no Iraque mas, face às hesitações do Governo, o líder histórico do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) avisou que a queda da cidade significará o fim das negociações de paz com o Estado turco.

Os aviões americanos e dos aliados árabes só estão a fazer “shows aéreos nos céus de Kobani”, disse à AFP um militante curdo, frustrado pelos poucos resultados de várias noites de bombardeamentos contra as forças do Estado Islâmico. A guerrilha curda síria do YPG, que defende a cidade no Norte da Síria com a ajuda de residentes e de curdos vindos da Turquia, lamenta que os EUA não estejam a coordenar os ataques com quem luta no terreno e questiona a escolha dos alvos – sobretudo centros de comando e forças recuadas.

O Pentágono pede “paciência estratégia” aos aliados e assegura que a capacidade operacional dos jihadistas está a ser duramente atingida. Mas fontes militares citadas pela AP revelam que a eficácia da operação pode estar a ser comprometida pela escassez de informações vindas do terreno, estando muito dependente dos satélites e dos voos de reconhecimento para identificar alvos e avaliar os danos infligidos aos radicais.

As críticas ouvem-se em vários pontos da Síria e do Iraque, mas em nenhum outro lugar como Kobani. “Se eles querem impedir um massacre têm de começar a agir de forma consistente”, avisou Asya Abdullah, dirigente curda síria que falou à Reuters por telefone. Do outro lado da fronteira, a pouco mais de cem metros de distância, alguns dos 160 mil habitantes que fugiram da cidade assistem com assombro à explosão dos rockets e à aproximação dos combates. “Há verdadeiro receio de que o Estado Islâmico possa estar em breve em Kobani”, de onde saíram já “80 a 90%” dos habitantes disse à AFP o director do Observatório Sírio dos Direitos Humanos. Abdel Rahman explica que os “guerrilheiros são inferiores em número e armamento” contra um grupo que avança com blindados e armas pesadas.

Caso conquiste a cidade, o Estado Islâmico dominará de forma ininterrupta uma grande extensão da fronteira entre a Síria e a Turquia. E essa, a par da pressão dos EUA, é uma das razões porque Ancara decidiu por fim comprometer-se na luta contra os jihadistas, aprovando por larga maioria (298 votos a favor e 98 contra) uma moção que, além de dar ao Exército um mandato para agir nos países vizinhos, permite que o território turco (em especial as suas bases aéreas) seja usado por outros países envolvidos nas operações.

Mas apesar da emergência junto à fronteira, o Governo turco não dá sinais de que poderá intervir em breve, alimentando a desconfiança entre a sua própria minoria curda, que há muito acusa Ancara de, no seu desejo de ver cair o regime sírio de Bashar al-Assad, ser conivente com os radicais.

A tensão agravou-se ao ser conhecida a mensagem que Abdullah Öcalan, líder do PKK, enviou da prisão onde cumpre pena perpétua. “O cerco a Kobani é mais do que um cerco e se esta tentativa de massacre atingir o seu objectivo irá pôr fim ao processo”, avisou o dirigente, referindo-se às negociações iniciadas no final de 2012 pelo agora Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, para resolver o conflito entre Ancara e o PKK em troca de um maior reconhecimento dos direitos da minoria curda. Apesar de bloqueado há vários meses, o colapso do processo de paz representaria uma pesada derrota para Erdogan, que arriscou muito do seu peso político na resolução de uma guerra que em 30 anos fez mais de 40 mil mortos.

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