Um aeroporto vazio e um soldado desaparecido podem mudar o curso da operação em Gaza

Aumentou o número de companhias aéreas que deixaram de voar para Telavive por razões de segurança. Hamas proclama "uma grande vitória". E ainda não há notícias do soldado Shaul.

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Painel mostra voos cancelados no aeroporto internacional de Telavive Siegfried Modola/Reuters

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, chegou esta quarta-feira numa visita surpresa a Israel para discutir esforços de um cessar-fogo em Gaza, quando a suspensão de voos de muitas companhias aéreas para o aeroporto internacional de Telavive marca um ponto de viragem no conflito.

Num mundo de olhos postos no que aconteceu a um avião da Malásia, abatido na Ucrânia há quase uma semana por um míssil que terá sido disparado por rebeldes sem muito treino, e provavelmente por engano, provocando 298 mortos, um rocket lançado a partir de Gaza que caiu num pátio de uma casa perto do aeroporto de Telavive foi o suficiente para fazer soar o alarme.

A autoridade de aviação norte-americana (FAA) anuncou na terça-feira o cancelamento dos voos comerciais para Telavive durante 24 horas (manteve depois essa interdição por mais 24 horas). De seguida, várias companhias europeias, como a Lufthansa, Easy Jet, Air France, Swissair, Austrian Airlines, Germanwings, Air Canada e ainda a Royal Jordanian cancelaram os seus voos para o aeroporto internacional Ben Gurion por um período maior, 36 horas. A British Airways foi das poucas a manter os voos.

Ao fim do dia de quarta-feira, com o aeroporto de Telavive praticamente deserto, o movimento radical palestiniano Hamas proclamou, em comunicado, "uma grande vitória".

Ainda que os seus projécteis mal sejam dirigíveis, e que Israel tenha um complexo e muito eficaz sistema de defesa contra rockets e mísseis, o Hamas conseguiu com este disparo provocar danos de imagem e económicos a Israel.

“É um grande resultado para o Hamas”, disse uma fonte da indústria ao diário Jerusalem Post. “Logo que as autoridades americanas dão esta ordem às companhias dos EUA, há um efeito dominó, e a maioria das companhias europeias vão ser obrigadas a suspender os voos.”

O ministro dos Transportes do Estado hebraico, Israel Katz, disse mesmo que as empresas americanas estavam a “dar um prémio ao terrorismo”.

A El Al manteve os voos (a companhia israelita foi a única que o fez quando todas as internacionais pararam de voar para Telavive durante a Guerra do Golfo de 1991) e recebeu apoios: o antigo presidente da câmara de Nova Iorque, Michael Bloomberg, anunciou no Twitter que iria voar para Telavive para “mostrar que é seguro voar de e para Israel”. Israel anunciou a abertura de um segundo aeroporto internacional no Sul, perto de Eilat, mas não era claro se alguma companhia preferiria voar para o local – rockets do Hamas já chegaram perto daquela cidade na semana passada.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, terá pedido a John Kerry ajuda no recomeço dos voos comerciais americanos, conta o diário britânico The Guardian. Mas um responsável da Casa Branca comentou apenas: “Não vamos reverter uma decisão da FAA. Ponto final.”

O impacto de uma suspensão mais prolongada será imediato no sector do turismo (entre 1,5% a 2% do PIB de Israel, 5% de exportações), que tinha já sido afectado com uma taxa de cancelamentos de cerca de 30% para viagens organizadas entre Julho e Agosto, diz o Jerusalem Post.

Mas o pior efeito será sobre quem viaja para negócios, diz o jornal, um sector que contará com entre 12% a 20% das entradas no país e que é geralmente menos afectado por violência. No entanto, com as companhias a cancelar voos terão menos opções para chegar a Israel. Pior, uma atmosfera de incerteza e perigo pode levar empresários a repensarem os seus investimentos no Estado hebraico.

A segunda incógnita

O efeito que este desenvolvimento poderá ter na negociação do cessar-fogo é imprevisível – alguns analistas dizem que pode assustar o Governo israelita com os efeitos económicos e levá-lo a apressar a negociação com o Hamas, outros que poderá aumentar a determinação do Executivo em destruir os túneis que permitem a chegada dos projécteis de maior alcance ao Hamas (antes o movimento conseguia atingir apenas locais a pouco mais de dez quilómetros da Faixa de Gaza, agora os seus rockets vindos do Irão e da Síria chegam a mais de 50 quilómetros) e a sua capacidade de atacar.

No diário Ha’aretz, o professor de Harvard Alan M. Dershowitz vai mais longe e diz mesmo que a decisão do Hamas dirigir os seus rockets para um aeroporto civil marca o fim da solução de dois estados, porque Israel não arriscará deixar a Cisjordânia em risco de ser tomada por um movimento que dispare contra um aeroporto.

A outra grande incógnita é o que poderá ter acontecido ao soldado israelita desaparecido, que poderá estar em poder do Hamas, morto ou vivo – Israel já negociou tanto a troca de um soldado capturado em Gaza pela libertação de presos palestinianos (como Gilad Shalit, em poder do Hamas durante cinco anos, em 2011) como também acordou o regresso de corpos de militares mortos contra a libertação de combatentes presos em Israel (com o libanês Hezbollah em 2008).

“Se o Hamas tiver em seu poder o soldado de 21 anos, que Israel identificou como Oron Shaul, ou os seus restos mortais, isso poderá dar ao grupo militante palestiniano força para as suas exigências políticas [fim do bloqueio a Gaza, libertação de prisioneiros] – ou poderá incitar Israel a aprofundar a sua incursão no enclave”, diz uma análise do Washington Post.

Apostando na hipótese de conseguir um cessar-fogo rapidamente, Kerry chegou esta quarta-feira de manhã ao país numa visita não anunciada, com reuniões marcadas com o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, e com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que na véspera fazia declarações optimistas sobre a possibilidade de um cessar-fogo. A meio do dia, Kerry deixava uma mensagem encorajadora: “Demos passos na direcção” de um cessar-fogo, disse, acrescentando: “ainda há trabalho a fazer.”

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