Justiça britânica tenta apurar se houve mão russa na morte de Litvinenko

Audiências públicas começam esta terça-feira em Londres. Mau momento das relações diplomáticas entre o Reino Unido e a Rússia pode politizar o processo sobre a morte do ex-espião do FSB.

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Marina, a viúva de Litvinenko, espera que justiça britânica apure os responsáveis pela morte do ex-espião Justin Tallis / AFP

A insistência da viúva do ex-espião russo Alexander Litvinenko, que morreu em 2006 depois de ter sido envenenado com polónio, um material radioactivo, deu frutos: iniciam-se nesta terça-feira em Londres as audiências públicas da investigação à sua morte. Aguardam-se sessões tensas, numa altura em que as relações entre o Reino Unido e a Rússia atravessam um período turbulento.

Nas audiências irá tentar provar-se que envolvimento poderá ter tido o Governo de Moscovo na morte do ex-espião do FSB (serviços secretos russos). Depois de abandonar as secretas russas, Litvinenko exilou-se no Reino Unido e terá colaborado com o MI6, os serviços secretos britânicos – ligação que nunca foi confirmada. Morreu em 2006, aos 43 anos, por envenenamento com o material polónio-210, depois de ter tomado um chá num hotel londrino com dois ex-agentes russos. O polónio é um elemento radioactivo raro, a que normalmente só os Estados têm acesso - é dificilmente contrabandeável. Esse factor contribuiu para fazer recair suspeitas sobre Moscovo.

Recentemente, o diário britânico The Telegraph revelou escutas interceptadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana que davam conta do envolvimento de Moscovo na morte do ex-espião. A notícia surgiu poucos dias antes do início das audiências públicas em Londres, mas estas provas não podem ser utilizadas em tribunal.

O juiz responsável pela investigação, Robert Owen, afirmou que o alegado envolvimento do Kremlin na morte de Litvinenko é de “importância central” para encontrar os responsáveis. Moscovo negou qualquer participação na morte do ex-espião e questionou a objectividade da investigação da justiça britânica. “Quaisquer que sejam as provas que as autoridades britânicas juntem, é óbvio que o Governo não irá permitir que esta informação seja usada num processo aberto com a participação de investigadores russos”, declarou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, numa nota difundida em Setembro.

As audiências públicas foram anunciadas em Julho do ano passado pela ministra britânica do Interior, Theresa May, depois de uma longa batalha travada pela viúva de Litvinenko, Marina. “O importante é que as provas reunidas pela polícia sejam apresentadas e que o mundo as possa ver”, disse a viúva à AFP. Mas só as primeiras dez semanas de audiências serão abertas ao público. A partir daí será analisado material confidencial.

Owen, que foi também responsável pela autópsia que determinou a causa da morte de Litvinenko, já revelou anteriormente que as provas de que dispõe “estabelecem à primeira vista a culpabilidade do Estado russo”. A abertura do inquérito permite ao magistrado consultar provas confidenciais na posse do Governo britânico, diz o The Guardian.

O timing da abertura do inquérito público foi objecto de leituras políticas, por ter ocorrido poucos dias depois da queda do voo MH17 da Malaysia Airlines no Leste da Ucrânia – pela qual o Ocidente responsabilizou os separatistas pró-russos. Theresa May reconheceu na altura que “as relações internacionais foram um factor na decisão do Governo”.

Neste contexto será difícil manter as audiências fora da arena política. “O caso de Litvinenko é extremamente sério e tem direito aos seus próprios procedimentos legais”, nota Andrew Monaghan, especialista da Chatham House, em declarações ao Financial Times. “O que parece mais provável é que, sob o elevado escrutínio, será ligado ao abate do MH17, à natureza do regime de [Vladimir] Putin, e a outras coisas, independentemente daquilo que processo concluír.”

A danificar as relações entre os dois países está também a recusa de Moscovo em extraditar os dois principais suspeitos – os dois ex-agentes que se encontraram com Litvinenko no hotel londrino, dias antes da sua morte. Desta forma, as audiências públicas acabam por ter um carácter simbólico, mas cuja importância a viúva do ex-espião resume: “É a última coisa que eu posso fazer por ele (…) Devo defender o seu nome e a sua memória.”

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