Jihadismo, prevenção e Inteligência: que caminho?

Enquanto o poder político europeu não entender que a luta anti-terrorista passa pela repressão preventiva nos seus diversos planos, as sociedades europeias continuarão reféns das agendas daqueles que as pretendem destruir.

Que terrorismo?

A emergência do terrorismo jihadista global, ele próprio adversário do que considera ser o falso Islão e seus cúmplices e defensor de uma concepção literal do livro sagrado muçulmano e das reinterpretações dos seus intérpretes mais radicais, trouxe uma amplitude ao fenómeno inimaginável. Ao procurar a sua legitimidade na fé, na guerra santa contra o infiel (“cruzados e judeus”) e na implantação de um califado sunita à escala global, mesmo que não passe de uma mera estratégia de influência, multiplicou indefinidamente o alcance e projecção do seu poder e dos seus instrumentos de guerra, sejam materiais ou de propaganda.

Contrariamente ao modelo clássico do terrorismo, trata-se agora de um modelo confederado entre uma multiplicidade de movimentos e grupos afiliados, orientado por um centro nevrálgico, antes a Al-Qaeda, hoje o Estado Islâmico (EI). O funcionamento em rede, aproveitando as auto-estradas da informação propiciadas pela internet e as redes sociais que o Ocidente lhes disponibilizou, permite igualmente a partilha de recursos com maior facilidade (conhecimentos, formação, armamento, financiamento) entre as suas múltiplas componentes. O carácter aglutinador que a Al-Qaeda de Osama Bin Laden e Al-Zarqawi exerceu em tempos, é hoje, com mais recursos e maior nível de adesão, desempenhado pelo EI.

O Islão como fonte única de autoridade, um sistema financeiro que angaria e transfere fundos para apoio às actividades dos grupos ou células afiliadas, uma rede de apoio logístico para infiltrar e exfiltrar os seus operacionais em “território inimigo”, um sistema paramilitar de treino com experiência em teatros de operações reais (Afeganistão, Bósnia, Chechénia, Kosovo, Iraque, Síria, Líbia) e um comando de planeamento operacional descentralizado e disperso são as cinco componentes-chave da jihad global.

No passado, a comunidade internacional, Europa incluída, centrou o combate ao fenómeno terrorista dos anos 70 e 80 em sanções e estratégias de isolamento sobre os Estados financiadores do terrorismo, como o Sudão (da qual resultou a deportação de Bin Laden) ou a Líbia (indemnização às vítimas do atentado aéreo de Lockerbie). Com o 11 de Setembro, o ataque militar alegadamente cirúrgico às bases de treino e centros de retaguarda nevrálgicos constitui a opção política que se julgava decisiva para a eliminação da ameaça do terrorismo jihadista.

Hoje, porém, a jihad global não se compadece com sanções sobre eventuais financiadores ou inspiradores por uma razão central nem se resolve apenas com ofensivas militares: a motivação que subjaz à jihad global é essencialmente individual e os seus membros estão dispostos a combater com o que tiverem à mão: armas brancas e de fogo, explosivos ou botijas de gás. E estão orgulhosos por pagarem o preço do combate com a sua própria vida.

O fenómeno do terrorista suicida globalizou-se, não apenas entre aqueles que se sacrificam como veículos explosivos mas também entre todos os que sabem que serão abatidos depois do ataque.

A violência é tanto maior quanto o efeito de choque que provocam nas sociedades tidas como inimigas e hostis. Para este efeito, os recursos são vastos: salafistas combatentes que aderiram à estrutura terrorista do EI, salafistas combatentes organizados em células independentes dispersas e militantes integrados em células adormecidas, infiltradas em “terras infiéis”, que actuam quando requisitados.

Que resposta?

O combate e a eliminação da jihad global passam necessariamente por uma estratégia imediata que deverá passar pelo encorajamento dos movimentos islâmicos moderados que, pela sua acção, eliminem os factores de atracção do movimento jihadista. A criação de vazios de poder como aconteceu na Líbia, Síria, Iraque e na região do Sahel constituem o primeiro erro grosseiro persistentemente cometido pelo Ocidente. A Europa terá de ser clara e assumir abertamente o apoio a organizações e a Estados islâmicos moderados como Marrocos, Tunísia, Argélia, Egipto ou Jordânia. Sem a acção destes actores no intercâmbio de informações, no controlo do radicalismo e no combate ao terrorismo, a Europa estará condenada a reagir a cada novo atentado.

O congelamento ou neutralização de bens susceptíveis de serem utilizados por estes grupos constitui outro vector a implementar no imediato. Inclui-se aqui o acesso do EI às receitas petrolíferas em territórios ocupados ou controlados. Não pode haver sigilo bancário para organizações de fachada cujo fim é servirem de veículos para o financiamento do terrorismo jihadista.

Finalmente, o bloqueio das comunicações usadas para fins de proselitismo, propaganda, comunicações e recrutamento deverá vigorar desde ontem. Se o mercado global e a sua sacra liberdade tiverem de ser sacrificados, tanto pior. Liberdade sem segurança é, para todos os efeitos, uma falácia e os fins, neste caso, justificam os meios.

A Europa terá igualmente de repensar muitas das suas políticas públicas de segurança, sejam nacionais ou comuns aos estados-membros, e reequacionar qual o modelo de Estado que pretende e que mecanismos pretende dispor para a sua própria protecção.

 

Que serviços de Inteligência?

A eficácia das respostas dos serviços de segurança europeus a situações de terrorismo expressa claramente que o fracasso da prevenção é político e prende-se com a postura do poder político em relação a serviços públicos que têm sido profícuos em notícias sobre irregularidades várias. Como resultado, nos últimos anos a eficácia das Informações policiais tem-se revelado incomparavelmente superior à dos serviços de Inteligência (ditos “secretos”) de segurança ou estratégicos.

Em diversos países europeus (e norte-americanos), incluindo Portugal, vários escândalos públicos resultantes da falta de critérios de qualidade na escolha de dirigentes e processos de selecção, na clientelização dos serviços ou no abuso de poder, têm contribuído para uma postura defensiva por parte do poder político. A marginalização dos serviços de Inteligência tem sido, em regra, a opção política dos governos europeus para branquear a ineficácia da respectiva actuação. Esta marginalização tem tido um preço elevado na degradação da operacionalidade dos serviços e na cooperação entre polícias e serviços de Inteligência. Na operacionalidade porque a dotação de meios acrescidos de natureza intrusiva (em violação regulada dos princípios da privacidade) é motivo de desconfiança por parte dos decisores, optando-se por não arriscar. Na cooperação interna entre serviços e forças de segurança porque a ausência de autoridade e “guidance” resulta no enquistamento das organizações e na indisponibilidade para trabalhar em conjunto.

Assim, tipicamente, apenas após o desastre, se colocam de novo todas as questões intocadas em “tempo de paz”: operacionalidade, coordenação interna, intercâmbio e cooperação internacionais são, recorrentemente, os dossiers que ressurgem após cada momento de crise.

As respostas são, também de forma recorrente, para consumo público: mais estruturas multilaterais, mais fóruns de cooperação internacionais, mais complexidade nos sistemas de segurança e Informações.

Nada mais errado: o intercâmbio e partilha de informações e a realização de operações conjuntas deverá seguir o caminho da bilateralidade; a simplificação dos sistemas e dos próprios serviços, contrariando as lógicas de burocratização do interesse de muitos, agiliza a sua acção e eficácia; a aproximação dos serviços de Inteligência dos níveis operacionais, baixando a sua dependência política e funcional para o nível de ministro ou de secretário de Estado, aumenta a capacidade de reacção e de resposta.

O exemplo português constitui um interessante caso de estudo onde a multiplicidade de actores e de dirigentes colide com o princípio da simplificação e da eficácia.

Enquanto o poder político europeu não entender que a luta anti-terrorista passa pela repressão preventiva nos seus diversos planos e pela criação de mecanismos ágeis e despolitizados de actuação dos serviços de segurança e de Inteligência, as sociedades europeias continuarão reféns das agendas daqueles que as pretendem destruir.

Consultor/Inteligência Estratégica

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