Je suis um cristão copta

As minorias cristãs estão particularmente vulneráveis e indefesas.

Ou indiano, ou iraquiano, ou paquistanês, ou… A extensão da justificável e saudável reacção ao bárbaro e cobarde atentado contra o Charlie Hebdo suscitou diversas e pertinentes polémicas. Sobre a liberdade de expressão e as suas circunstâncias e sobre a comparação da reacção ao ataque que causou 11 mortes em Paris com os massacres com muito mais vítimas que ocorrem no Médio Oriente.

Quanto à primeira questão, o facto de não se tratar de um ataque terrorista cego, mas dirigido contra um dos princípios fundamentais da vida democrática, a liberdade de expressão, justifica a indignada reacção que mereceu e o perfil eminentemente político que assumiu. Por outro lado, ao atingir em primeira linha aqueles que exercem esse direito como profissão, os jornalistas, é natural a larga repercussão que obteve.

A liberdade de expressão não pode ter limites para além dos da lei geral. Quem, ao exercê-la, comete crimes, deve ser punido. É tudo. Outra coisa será os autores de uma provocação arcarem com as consequências do seu gesto. E não quero com isto de modo algum referir-me a actos de vingança. Apenas constatar que certas palavras ou imagens podem ferir e ofender e provocar reacções de repulsa que custem vidas humanas. Recorde-se as dezenas de muçulmanos que aqui há uns anos morreram, em manifestações nos seus países, contra os cartoons dinamarqueses sobre Maomé.

Que o mundo, digamos ocidental, reaja com mais indignação e revolta a ataques no seu território, do que contra as sucessivas e quase diárias atrocidades que os fundamentalistas islâmicos cometem contra os seus conterrâneos muçulmanos, não espanta. Já Eça, com o seu genial e sarcástico sentido de observação, narrava, no texto “Das Catástrofes e das Leis da Emoção”, um serão de província em que uma senhora lia aos presentes o jornal local, que dava conta de dois mil javaneses sepultados num terramoto, da Hungria inundada, soldados matando crianças, fomes, pestes guerras em lugares longínquos, perante a indiferença da assembleia, que apenas esboçou um ligeiro murmúrio ao ouvir que estalara uma greve em Paris. Mas que se levantou em alvoroço e consternação ao saber do “pé desmanchado” da Luísa Carneiro, “que morava adiante, no começo da Bela Vista, naquela casa onde a grande mimosa se debruçava sobre o muro, dando à rua sombra e perfume.”

Os massacres de inocentes no Iraque, na Índia, na Nigéria, ocorrem com tanta frequência que é difícil os media europeus darem a cada um relevo igual aos que atingem as nossas sociedades. Apesar de tudo, os ataques no mundo islâmico têm uma cobertura significativa.

O que me espanta é que os recorrentes ataques às minorias cristãs, que vêm ocorrendo um pouco por toda a parte, tenham entre nós tão pouco eco. Não se trata de comunidades que nos sejam geograficamente próximas. Mas trata-se de minorias vulneráveis, que até há uns anos viviam pacificamente num meio religiosamente tolerante que a História recente subverteu. Estão ali, isoladas, indefesas e não se vê uma atitude firme dos países ocidentais, onde, felizmente, os muçulmanos praticam a sua religião livremente.

O Vaticano reage e transmite o seu sofrimento com essas ocorrências. Mas os Estados, a União Europeia, têm sido conspicuamente discretos a reagir. É verdade que a maioria dos Estados de cultura cristã são laicos. Mas que diabo, será que o inefável politicamente correcto é levado ao extremo de não se poder manifestar uma particular solidariedade a comunidades às quais, para usar a feliz expressão de Adriano Moreira, nos ligam laços de afecto?

Naturalmente que as vítimas inocentes de violência merecem sempre igual solidariedade. É evidente que são em muito maior número os muçulmanos vítimas dos movimentos fundamentalistas islâmicos e que há que continuar a denunciar essa violência, dirija-se a quem se dirigir, e a lutar contra ela. Mas as minorias cristãs estão particularmente vulneráveis e indefesas. Merecem ao menos um sinal de solidariedade do restante mundo cristão e que as chancelarias dos países ocidentais que acolhem e protegem, e bem, minorias de várias religiões e etnias nos seus territórios, escolham os meios tidos por mais eficazes para diligenciar que as autoridades dos países onde ocorrem massacres contra elas procurem reforçar a sua segurança.

Embaixador reformado

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