Assinado acordo histórico sobre o programa nuclear iraniano

Compromisso põe fim a 12 anos de discórdia entre o Irão e os países ocidentais. Obama aponta "oportunidade para uma mudança de direcção" no Médio Oriente; Rouhani fala num novo capítulo após uma "crise desnecessária".

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A foto de família, com quase todos os representantes nas negociações Leonhard Foeger/Reuters
O ministro iraniano na varanda do hotel de Viena onde decorreram as negociações
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O ministro iraniano na varanda do hotel de Viena onde decorreram as negociações Leonhard Foeger/Reuters
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O ministro iraniano acena depois de o acordo ter sido fechado Leonhard Foeger/Reuters
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John Kerry reunido esta manhã com alguns dos parceiros de negociações Joe Klamar/Reuters
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John Kerry com o acordo na mão Leonhard Foeger/Reuters
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A mesa das negociações Carlos Barria/Reuters
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Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, diz que este acordo é um “erro de proporções históricas” Ahikam Seri/Reuters/Pool

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não tem dúvidas de que o acordo para a limitação e verificação do programa nuclear do Irão, alcançado esta terça-feira em Viena de Áustria, “oferece uma oportunidade real para a mudança numa nova direcção” no Médio Oriente, ao pôr um travão na “expansão do armas” e escalada nuclear alimentada por “décadas de animosidade”.

Numa curta declaração na Casa Branca, Obama saudou o compromisso fechado pelos aliados internacionais e o regime de Teerão, que prevê que a república islâmica “se desfaça de 98% do seu material nuclear”, e prometeu vetar qualquer tentativa da oposição republicana no Congresso no sentido de impedir a implementação do acordo. “Seria uma irresponsabilidade deitar tudo a perder. Este acordo não se baseia na confiança, mas na verificação”, sublinhou.

Assim que Obama acabou de falar, o Presidente do Irão, Hassan Rouhani tomou a palavra, numa declaração televisiva em que saudou o “início de um novo capítulo” na vida do país, com a resolução de uma “crise desnecessária” e que, admitiu, trouxe sérios prejuízos e dificuldades ao povo iraniano.

Tal como Obama e outros líderes ocidentais, Rouhani explicou que o compromisso não era perfeito, mas considerou que as negociações, que se prolongaram durante meses, produziram um “acordo justo, equilibrado e em que todas as partes ganham”. Em particular, o Presidente iraniano elogiou a forma como todos os intervenientes souberam “evitar as ameaças” e negociar “com respeito” por todas as posições. “Nós nunca pedimos caridade”, declarou.

O acordo alcançado esta terça-feira “é um sinal de esperança para o mundo inteiro”, afirmou em Viena a representante para a Política Externa da União Europeia, Federica Mogherini. “Acredito que este é um momento histórico. Estamos a assinar um acordo que não é perfeito mas é o que conseguimos. Hoje poderia ter sido o fim da esperança, mas em vez disso estamos a iniciar um novo capítulo de esperança”, disse, ao seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Mohammad Zarif.

O secretário-geral da ONU aplaudiu esta “prova do valor do diálogo”, descrevendo o compromisso como histórico. “Espero, e acredito mesmo, que este acordo conduza a um entendimento mútuo e à cooperação em muitos desafios de segurança no Médio Oriente”, disse Ban Ki-moon. “Assim, será uma contribuição vital para a paz e a estabilidade na região e para lá dela.”

“Penso que todos sabemos que a decisão que estamos a tomar tem a ver com um programa de armas mas é muito mais do que isso”, disse ainda Mogherini. “Esta decisão pode abrir um novo capítulo nas relações internacionais.”

O Presidente russo, Vladimir Putin, diz que o acordo vai contribuir para “combater o terrorismo no Médio Oriente”. “Apesar das tentativas para justificar cenários que antecipavam o uso da força, os negociadores fizeram uma escolha firme de estabilidade e cooperação. O mundo pode agora respirar de alívio”, afirmou ainda, num comunicado divulgado pelo Kremlin.

Em Teerão, o Presidente iraniano, Hassan Rohani, escreveu no Twitter que este acordo “abre novos horizontes”. Mais logo, o seu Governo vai reunir-se com o líder supremo ayatollah Ali Khamenei. 

A ONU confirmou ao início da manhã um acordo sobre o programa nuclear iraniano: Yukiya Amano, director da agência das Nações Unidas para o nuclear, falara de um “significativo passo em frente”. O documento foi assinado após 21 meses de negociações e anunciado em Viena, Áustria, onde decorreram as conversações.

O documento assinado tem mais de 80 páginas e cinco anexos técnicos. Sabe-se que os traços gerais já estavam definidos há algum tempo entre os negociadores iranianos e os representantes do chamado grupo dos 5-1 (os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Alemanha).

Por limar estavam questões ligadas ao calendário do levantamento dos vários embargos impostos pelas Nações Unidas a Teerão e aos prazos para pôr fim a restrições como a compra de tecnologia nuclear ou de armamento convencional, assim como o tipo de acesso às instalações nucleares e militares que os inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica terão a partir de agora.

Segundo a Reuters, o embargo de armas da ONU vai continuar em vigor por cinco anos e as sanções que impedem a compra de mísseis vão prolongar-se por oito anos. O Irão aceitou ainda incluir no documento uma cláusula segundo a qual as sanções serão repostas em 65 dias caso o país viole o acordo.

Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, China, Alemanha e Irão falharam o prazo inicial de 30 de Junho para fechar as negociações. Mas depois do que já tinha sido conseguido, nenhum dos blocos queria desistir antes de concluir um acordo que põe fim a 12 anos de impasse. “O acordo nunca esteve tão próximo, mas precisamos de mais um dia”, afirmou na segunda-feira à tarde o ministro Mohammad Zarif. O compromisso surge depois de uma última maratona negocial de 17 dias.

Resolução da ONU
Para que o texto possa entrar em vigor, o Conselho de Segurança vai aprovar uma resolução a validar este acordo “daqui a alguns dias”, explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius.

“Apesar das curvas e dos obstáculos, a esperança e a determinação permitiu-nos ultrapassar os momentos difíceis”, disse Mogherini na conferência de imprensa que se seguiu à assinatura do acordo. “Resolvemos uma disputa que se prolongou por mais de dez anos.”

Mogherini garantiu que se trata de “um bom acordo” e fez um apelo para que seja apoiado. “Sabemos que este acordo vai ser sujeito a intenso escrutínio”, afirmou ainda. Depois da representante da UE falar, o ministro iraniano começou a ler a declaração em farsi. “Não se preocupem, é o mesmo texto”, disse, com um grande sorriso.

Há 12 anos que o programa nuclear alimenta polémicas e desentendimentos entre a República Islâmica e as capitais ocidentais. Por causa dos supostos planos do regime para construir uma bomba atómica – Teerão sempre insistiu que o programa é pacífico – os iranianos têm sofrido as consequências de duras sanções económicas internacionais, ao mesmo tempo que nos EUA muitos defenderam, ao longo dos anos, uma opção militar para travar “a ameaça iraniana”.

"Eixo do mal"
O acordo será o maior sucesso diplomático da presidência de Barack Obama. Os esforços para o conseguir começaram em 2012, quando o Presidente norte-americano e a sua então secretária de Estado, Hillary Clinton, enviaram os primeiros conselheiros em missões secretas para explorarem a possibilidade de negociações. No ano seguinte, já com Hassan Rohani na presidência iraniana, foi anunciado um acordo preliminar, que congelou de forma temporária grande parte da actividade nuclear do Irão.

Desde então, alcançar este compromisso tem sido a grande missão do actual secretário de Estado, John Kerry, que como lembra o diário The New York Times, passou mais horas com Zarif do que com qualquer outro ministro dos Negócios Estrangeiros.

Israel, o país que mais firmemente se opôs a estas negociações, já reagiu, prometendo “agir por todos os meios para tentar impedir que o acordo seja ratificado”. “Este acordo é uma rendição história do ocidente ao eixo do mal liderado pelo Irão”, escreveu no Twitter Tzipi Hotovely, ministra-adjunta dos Negócios Estrangeiros. Hotovely recupera a expressão cunhada pelo antecessor de Obama, George W. Bush, que a usou no seu discurso do Estado da união em 2002: para além do Irão, o “eixo de mal” de Bush incluía o Iraque, que invadiu em 2003, e a Coreia do Norte.

Entretanto, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, também já falou e descreveu o acordo como um “erro de proporções históricas”. “Se Israel realmente acreditava que o Irão estava prestes a ter armas nucleares devia ser o maior apoiante deste acordo”, comenta, no Twitter, o antigo primeiro-ministro sueco, Carl Bildt.

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