Insustentáveis

Este triste episódio dá bem a ideia de uma Europa que repete no plano estratégico os erros que cometeu no plano financeiro.

Em Dezembro de 1979 a União Soviética invadiu o Afeganistão. Mais tarde arrependeu-se pela derrota sofrida, mas a invasão só se explica pela situação em que se encontrava o então Ocidente.

Carter estava a abandonar a presidência dos EUA, derrotado no final do seu primeiro mandato e desprestigiado pelo falhanço da não recuperação em tempo útil dos reféns americanos detidos no irão. A maior potência militar do universo, a única que poderia ter batido o pé a Moscovo, por enleios da democracia e seus calendários, não se encontrava em posição de reagir mais que verbalmente.

Em Abril de 2014, a poucas semanas das eleições para o Parlamento Europeu determinantes da escolha do novo Presidente da Comissão, conhecidos os calendários democráticos, sabe-se que a Europa ficará praticamente sem governo até Setembro-Outubro. O tempo ideal para o Putin repetir o gesto de Brezhnev, apenas com mais subtileza e com argumentos históricos e jurídicos mais poderosos. A verdadeira razão para a invasão do Afeganistão foi a necessidade de a URSS encontrar uma saída directa para o Mar Vermelho, essencial para a sua estratégia planetária. A invasão "pacífica" da Crimeia foi justificada pela proximidade étnica dos habitantes, pela reversão de uma doação unilateral praticada por Krustchev em 1954 e, na realidade, pela necessidade logística de a esquadra russa do Mar Negro ver recuperadas as suas bases de abastecimento.

Apanhada de surpresa e de calças na mão, depois do seu envolvimento mais que irreflectido na mudança de poder, em Kiev, de um ditador e plutocrata para um grupo de anginhos aprendizes de feiticeiro, a Europa não podia esperar outra coisa. Ao ocupar a Crimeia e ao executar o referendo relâmpago que quase legitima o retorno à penúltima situação, a Rússia ensaiou o que se iria passar a seguir. Com os mesmos arruaceiros vestidos com as cores do exército russo, sem distintivos nem patentes, tomaram os edifícios públicos e provocaram um pobre exército de tanques ferrugentos, sem combustível, nem comando capaz. Dotados do mesmo instinto de violência dos seus irmãos soldados do lado leste, os ucranianos caíram na armadilha e resolveram responder a tiro, criando os inevitáveis mártires. O próximo passo vai ser a Transnístria, parte da Moldávia, que nunca sacudiu a ocupação do exército russo, legitimar certamente por outro referendo, a usurpação russa e a violação dos tratados de Helsínquia de 1975, que fixaram as fronteiras das nações europeias da época.

Tudo tão previsível que custa a crer como a ópera se pode desenrolar de acordo com o roteiro escrito por Putin, sem que o chamado Ocidente tenha acordado. A Europa prometeu à Ucrânia o que não tinha nem poderá algum dia reunir, mais de 14 mil milhões de euros. A Ucrânia acreditou. Claro que com uma Comissão débil e de saída, uma alta-Comissária para a Acção Externa praticamente inexistente, bem como os conselhos apaziguadores de antigos chanceleres, não se podia esperar que fosse a Alemanha, potência económica que recusa ser potência militar, a erguer-se contra o intruso, tanto mais que depende do gás russo em cerca de 30% das suas necessidades energéticas. Quando a Alemanha destacou o ex-chanceler Schroeder para liderar a Gazprom e construir o gasoduto North Stream, não fez mais que tentar pela economia a conquista da futura dependência russa em divisas geradas pelo gás. Medida inteligente. Só que ainda era cedo para que a dependência fosse num só sentido, sendo ainda maior a ocidental que a oriental. Além de que as divisas do ocidente chovem na Rússia de outros pipeline e de outras exportações de matérias primas e armas.

Entretanto, os Chamberlain e Daladier de serviço trataram de organizar a clássica conferência de desanuviamento, em Genebra. Como se esperava, desanuviou o ambiente até ao fim das férias da Páscoa. Depois se verá. Como não podia deixar de ser, a direita parlamentar, os liberais e os verdes sangraram-se em protestos, meramente verbais e aprovaram uma declaração dura contra os Russos. Pura retórica. Os socialistas e democratas dividiram-se fragorosamente: os de países orientais, na impossibilidade de conclamarem a uma guerra libertadora contra Moscovo, ficaram pelo tom de voz reforçado. Os outros abstiveram-se.

Este triste episódio dá bem a ideia de uma Europa que repete no plano estratégico os erros que cometeu no plano financeiro: dificuldade de entender os acontecimentos, reacção lenta, aventureirismo verbal, escassa margem de manobra, deixando-se encurralar numa posição sem saída. Assim ninguém nos respeita, apenas requerem o nosso dinheiro. Posição insustentável.

 

O Dr. Passos Coelho deu uma entrevista para declarar falida a Segurança Social, ou de outra forma, insustentável o nosso sistema de pensões. Um grande contributo para a fuga futura às contribuições. O que ele não disse nem por tal o questionaram, foi que o atoleiro económico em que nos meteu conduz o país a uma inexorável incapacidade de sobrevida financeira para os seus cidadãos seniores. Claro que só na sua mente liberal de pacotilha pode a Segurança Social estar falida. Certamente prefere que sobre os escombros se crie um regime de pensões de tipo chileno, sem ofensa para essa bela e próspera nação.

Acabo de saber que a minha pensão "milionária" de funcionário público durante 42 anos, que ainda não comecei a receber, me será amputada em 59,3% do valor bruto. Sem o saber, e sem o esperar, transformei-me num generoso contribuinte. Aceito naturalmente o ónus social extraordinário, só que tenho o direito de saber quanto ele vai durar, e as respostas que obtenho são ambíguas, incompletas ou perversas. Gostaria de saber se os pensionistas do Banco de Portugal, os magistrados e juízes jubilados e os diplomatas na reforma também são contribuintes extraordinários de solidariedade. E já agora, pedia que me explicassem a razão pela qual a solidariedade, entre nós, apenas é exigida aos pensionistas. Claro que tenho que declarar conflito de interesses nesta matéria, mas bem gostaria de que a razão para tal conflito não existisse.

Deputado do PS ao Parlamento Europeu
 

   

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