Infanta Cristina vai ser acusada por cooperação nos alegados crimes do marido

Juiz pede abertura de processo contra a irmã do rei de Espanha apesar do Ministério Público não o defender. Será a primeira vez que um membro da Casa Real espanhola se senta no banco dos réus

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O julgamento de Cristina deverá começar no segundo semestre de 2015 Jaime Reina/AFP

A infanta Cristina, irmã de Filipe, rei de Espanha, vai mesmo ser acusada, por cumplicidade com alegados crimes do marido, Iñaki Urdangarin. É a primeira vez que na história da monarquia espanhola que um membro da família real é acusado num processo judicial.

Apesar de o Ministério Público não recomendar a acusação, o juiz encarregado da instrução, José Castro, decidiu mesmo que a infanta “foi cooperante necessária” nas fraudes fiscais que terão sido cometidas por Urdangarin entre 2007 e 2008 e, por isso, deverá também fazer parte do lote de acusados no julgamento que terá lugar em 2015.

Urdangarin, 46 anos, e Cristina, 49, detinham uma empresa, a Aizoon, que serviria para canalizar fundos que a organização sem fins lucrativos Nóos, de Urdangarin (Cristina integrava o Conselho de Administração), conseguiria de contratos inflacionados com entidades públicas e governos locais. Segundo a acusação, tratava-se de uma “teia de facturação fictícia” fabricada por Urdangarin e pelo seu antigo sócio, Diego Torres, e que terá levado a um desvio de fundos públicos de até 6,2 milhões de euros.

Urdangarin e Diego Torres são dois de 14 acusados na investigação que começou em 2010. O Ministério Público pediu 19 anos e meio de prisão para Iñaki Urdangarin, cunhado do rei de Espanha, e 16 e meio para Torres. A mulher de Torres tinha sido acusa por branqueamento de capitais, mas a infanta não: o procurador argumentava que contra Cristina havia apenas “uma suspeita”, não havendo modo de provar que sabia das irregularidades fiscais da empresa.

A Audiência Nacional, máxima instância criminal de Espanha, tinha recomendado a acusação de Cristina, comparando o seu papel e o da mulher de Torres: “Serviam de instrumento ou ferramenta fiscal para ocultar os rendimentos obtidos pelos seus maridos e, em consequência, para defraudar a Fazenda.”

O juiz José Castro alega que ao caso não se aplica a doutrina Botín, que permite a um acusado por delitos fiscais evitar o julgamento se contra ele não tiverem sido deduzidas acusações públicas ou particulares de lesados, sublinhando que estão em causa ilícitos que prejudicaram o interesse comum.

O caso contra Cristina foi interposto pelo grupo Mãos Limpas, de advogados ligados à direita, que pede uma pena de oito anos de prisão para a infanta, dois por cada crime fiscal que consideram poder ser-lhe imputado. O Ministério Público tinha recomendado que a infanta não fosse acusada e que pagasse antes uma multa de 600 mil euros pelos ganhos indevidos das alegadas actividades criminosas, quantia que ela pagou na semana passada.

O Presidente da Associação de Advogados do Estado, Edmundo Bal, criticou a decisão do juiz, dizendo que é “dúbia”. 

O procurador Pedro Horrach também foi alvo de críticas. Foi acusado de fazer justiça à medida e de poupar a infanta. Horrach assegurou agora que não teria problema nenhum em acusar Cristina se lhe parecesse necessário, mas repetiu a sua argumentação e disse que “está cada vez mais convencido” de que é uma posição “objectiva”, segundo o diário El Mundo.

Novo rei, novas regras

O escândalo envolvendo a infanta e o marido foi uma das razões apontadas para a decisão do antigo rei Juan Carlos abdicar, em Junho, a favor do seu filho Filipe. O actual rei prometeu “integridade, honestidade e transparência” na Casa Real, e anunciou novas regras de ética e transparência que impedem que membros da casa real recebam presentes caros (o Rei Juan Carlos por exemplo recebeu dois Ferrari dos Emirados Árabes Unidos e um iate de um grupo de empresários).

O casal, que mora em Genebra, Suíça, onde a infanta trabalha, já está afastado das cerimónias públicas da Casa Real, tendo estado notoriamente ausente da gala após a tomada de posse de Filipe.

Cresce ainda a pressão para que Cristina renuncie. O jornal espanhol ABC, que começou um apelo público para a renúncia já o ano passado, volta a repeti-lo. A Casa Real não comenta, mas a imprensa espanhola diz que Filipe estará a tentar convencer a irmã mais velha. A renúncia só pode ser pedida pelo próprio e é irrevogável.

Quanto ao que irá acontecer a Cristina depois de acusada, a imprensa não antecipa uma possível condenação. Mas há quem note que se for condenada a menos de dois anos de prisão, não chegará a cumprir pena.

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