As independentes Manuela Carmena e Ada Colau fazem história em Espanha

Tomada de posse dos orgãos autárquicos confirma reconfiguração do mapa político espanhol, com a esquerda a garantir o governo na maioria das capitais de província. Independentes e forças de esquerda acabam com domínio do PP no poder local.

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Manuela Carmena, a nova presidente da câmara de Madrid Andrea Comas/Reuters

Duas mulheres, ambas independentes, fizeram história em Espanha este sábado ao tomar posse como como presidentes de câmara nos dois maiores municípios do país: a nova autarca de Madrid, Manuela Carmena, eleita pela lista cidadã “Ahora Madrid”, garantiu o apoio do PSOE para governar a capital com maioria absoluta; e a ex-activista contra os despejos, Ada Colau, que assumiu o cargo após a vitória da sua coligação Barcelona en Comú.

Numa jornada classificada como histórica pela imprensa espanhola, mais de oito mil novos dirigentes autárquicos iniciaram funções, depois de “cozinhados” os pactos e as alianças de poder e negociadas as equipas de conselheiros (vereadores) dos governos locais – um processo que consagrou a viragem à esquerda na gestão municipal.

Segundo resumia o El Mundo, na eleição dos novos autarcas, “a esquerda arrebatou ao PP quotas de poder históricas”, com a fixação de acordos entre o PSOE, o Podemos e outras formações nacionalistas e independentes de forma a garantir o poder em 37 das 54 capitais de província do país. Os populares, que além de liderarem o Governo eram a força dominante a nível local, aguentaram apenas 17 das 43 capitais que antes governavam: o colapso territorial, prossegue o diário, deixa o partido a braços com “uma crise de organização inédita”.

Os conservadores reagiram ao desaire já com as legislativas em vista, lembrando que foi o partido com mais votos nas municipais de 24 de Maio e denunciando a estratégia dos socialistas, que para chegar ao poder aceitaram aliar-se às “forças extremistas” e levar a cabo “projectos radicais”, censurou. Entre as perdas mais duras destacavam-se os casos de Valencia, Cádiz ou Valladolid, território de alcaides históricos do PP. E tal como os seus rivais, tiveram de assinar um pacto  - com os Ciudadanos de centro-direita - para manter o governo de cinco capitais de província, entre as quais Almería, Granada ou Burgos.

Pelo seu lado, os socialistas apresentaram-se como os “líderes da mudança política” em Espanha. “Os espanhóis votaram pela pluralidade, pelo diálogo e pela mudança e é precisamente aí que o PSOE lidera, porque as nossas prioridades correspondem às preocupações dos cidadãos”, sublinhou o secretário de organização e número dois do partido, César Luena, citado pelo El País. Os socialistas conseguiram arrecadar para si 16 capitais (antes tinham nove), entre as quais importantes cidades como Sevilha, Córdoba e Palma de Maiorca.

Foi o apoio do PSOE que projectou Manuela Carmena para a presidência da câmara de Madrid. O acordo alcançado na capital entre os socialistas e o Podemos, que promoveu a plataforma “Ahora Madrid” desde o início da campanha, abre a porta a novos entendimentos tácticos nas próximas eleições de Novembro, indicou o líder do Podemos, Pablo Iglesias. “[Os socialistas] vão apoiar-nos neste governo, estamos muito satisfeitos, e também convencidos de que no futuro também seremos capazes de chegar a acordo para ganhar as eleições [legislativas] ao PP”, indicou, à televisão La Sexta.

PSOE e Podemos (em nome de movimentos independentes) fizeram uma frente comum contra os populares para assegurar maiorias em todos os casos em que a união dos votos era indispensável para afastar os populares do governo. Além de Madrid (onde a candidata do PP obteve mais 44 mil votos do que a sua adversária) e de Barcelona, a aliança de esquerda funcionou na Corunha, em Saragoça, Valência e Cádis. “As principais cidades estão nas mãos de forças políticas e de lideranças que defendem a mudança de 180 graus, pela transparência e por políticas ao serviço da maioria empobrecida”, considerou o número dois do Podemos, Íñigo Errejón.

No seu discurso aos madrilenos após a posse, Manuela Carmena garantiu “a todos os que sofrem e vivem com angústia" que vão melhorar a sua situação, e deixou uma palavra aos que não votaram nela, e poderiam ter ficado impressionados pelas palavras da sua principal rival eleitoral, Esperanza Aguirre, que a descreveu como uma incógnita e uma mulher sem ideologia. “Não precisam de ter medo de mim nem do meu governo”, tranquilizou Carmena, “as nossas propostas baseiam-se numa maior equidade, no incremento da honestidade pública, da eficiência das despesas, numa estrutura de participação efectiva e numa nova captação de investimento”, enumerou.

Sem perder tempo depois das formalidades institucionais, a nova edil anunciou logo na hora algumas das suas primeiras medidas, uma das quais foi assinada logo a seguir à cerimónia: a abertura das cantinas escolares durante o Verão.

Em Barcelona, a cerimónia de posse de Ada Colau foi seguida em directo por milhares de pessoas a partir de um ecrã gigante instalado na Plaza Sant Jaume: a sua proclamação como presidente da câmara foi celebrada com gritos de “Sí, se puede”, a palavra de ordem repetida pelas campanhas independentes. “Estou muito grata à cidadania por ter tornado isto possível”, agradeceu Colau.
 

   

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