Impeachment de Dilma é adiado, para alívio do Governo... e da oposição

Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, adiou a decisão sobre se aceitaria ou não dar deferimento ao pedido de destituição da Presidente Dilma Roussef.

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Eduardo Cunha é acusado de corrupção ANDRESSA ANHOLETE/AFP

Nada convence os brasileiros de que o seu sistema político não é excepcional. Em que outro lugar do mundo é que um dirigente parlamentar com contas milionárias na Suíça alimentadas por um esquema de corrupção não só permaneceria no cargo como continuaria a ser cortejado pelos seus adversários para forjar alianças?

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pode estar a lutar pela sua sobrevivência política, como escrevia há dias o The Wall Street Journal, mas de momento ele está “valendo ouro”, como assinalou a comentadora de política da Globonews, Cristiana Lobo.

Cunha, um homem forte do PMDB, prometeu uma decisão nesta terça-feira sobre se aceitaria ou não dar deferimento ao pedido de destituição (impeachment) contra a Presidente Dilma Roussef. Mas depois de uma reunião com os principais líderes da oposição durante a manhã, o presidente da Câmara dos Deputados adiou a decisão, o que permite a todos os envolvidos – Cunha, Governo, oposição – ganhar tempo.

Quase ao mesmo tempo, o Governo teve uma vitória parcial, ao ver o Supremo Tribunal Federal (STF) retirar provisoriamente a Cunha o poder de definir o processo de impeachment contra Dilma Roussef. O STF deu razão a dois recursos, apresentados por um deputado do PT e outro do Partido Comunista, que questionavam a legalidade das regras criadas por Cunha, segundo as quais ele poderia rejeitar um pedido de impeachment, mas o mesmo poderia ser aprovado por uma maioria simples no plenário parlamentar. A medida provisória do STF não impede Cunha de avaliar os pedidos de destituição – dez, no total – mas limita que o processo ocorra nos moldes definidos exclusivamente pelo presidente da Câmara dos Deputados.

A deliberação do STF foi comemorada pelo Governo, que está a tentar combater o cenário de impeachment em várias frentes, incluindo um acordo com Eduardo Cunha, que, segundo a imprensa brasileira, estaria a ser negociado desde a semana passada para tentar dissuadi-lo de avançar com o processo. Mas Cunha está também a ser pressionado e cortejado pelas forças de oposição para acelerar o impeachment contra Dilma, em troca da sua própria sobrevivência política. No sábado, líderes da oposição pediram publicamente o seu afastamento do cargo parlamentar, mas, segundo o jornal Folha de S. Paulo, isso não terá passado de uma manobra previamente combinada. Cunha terá a garantia da oposição de que não será pressionado a abandonar o seu assento na Câmara dos Deputados caso inicie o processo de impeachment contra a Presidente brasileira.

O partido do Governo não deverá ficar atrás nas suas promessas a Eduardo Cunha. Não por acaso, o PT não se manifestou oficialmente sobre o escândalo que pende sobre Cunha – contas secretas na Suíça abastecidas por dinheiro desviado de contratos da Petrobras – embora alguns deputados petistas tenham pedido, isoladamente, a sua demissão. O receio do PT é que Cunha – cujo PMDB é um partido aliado do Governo, mas ele faz oposição aberta – acelere o impeachment contra Dilma para desviar as atenções do escândalo que o envolve, revelado na última semana. Segundo a Folha de S. Paulo, o Governo terá oferecido tréguas a Cunha no episódio das contas na Suíça caso ele decida arquivar os pedidos de impeachment. Na segunda-feira, o núcleo duro do Governo reuniu-se para discutir uma estratégia em relação a Eduardo Cunha. À saída, o tom foi de aviso: “Vamos aguardar o que ele [Cunha] vai fazer. Qualquer movimento dele vai ter uma reacção. Se ele aceitar [o pedido de impeachment], nós vamos para o combate”, disse um deputado do PT ao jornal O Globo, sinalizando que o seu partido pedirá a demissão de Cunha, se este optar pelo impeachment.

Não restam dúvidas de que o Brasil assiste a um teatro político, definido por jogos de bastidores que têm lugar em Brasília, longe do país real. Dependendo do que Cunha fizer – aceitar ou arquivar o pedido de impeachment –, parece certo que ele terá o apoio ou do Governo ou da oposição para a sua sobrevivência no cargo. A questão é qual dos dois lados Cunha irá escolher. 

O presidente da Câmara dos Deputados prometeu ontem recorrer da deliberação do STF, sublinhando que ela não interfere com o seu poder constitucional de deferir ou indeferir os pedidos de destituição existentes. Cunha garantiu que qualquer decisão sua não será motivada por disputas políticas. “Não farei nada por decisão puramente pessoal ou política. A minha decisão não se pode pautar por disputas políticas, para atender A ou B”, disse, segundo O Globo. Durante um encontro de manhã na residência oficial de Cunha, líderes da oposição pediram mais tempo a Cunha antes de ele analisar o principal pedido de destituição, apresentado por um ex-fundador do PT, Hélio Bicudo, e pelo jurista e ex-ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso, Miguel Reale Jr. O objectivo é reforçar o pedido de impeachment do ponto de vista jurídico, para evitar questionamentos posteriores. Especificamente, a oposição espera acrescentar argumentos ao processo que demonstrem que as irregularidades fiscais cometidas em 2014 pelo anterior Governo de Dilma Roussef e condenadas na semana passada pelo Tribunal de Contas, aconteceram também este ano.

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