Ideia de referendar questões europeias sobressalta negociações políticas na Alemanha

Proposta dos conservadores bávaros, com o apoio de dirigente do SPD, representaria fim de um tabu político, mas também o desconforto dos alemães com a crise da zona euro.

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Merkel já fez saber que vai travar a ideia dos referendos ODD ANDERSEN/AFP

Foi a notícia que sobressaltou as até agora tépidas negociações para a formação da terceira grande coligação do pós-Guerra na Alemanha: um dos 16 grupos criados para fundir os programas da CDU de Angela Merkel e dos sociais-democratas do SPD propôs que os cidadãos sejam ouvidos sobre as grandes decisões da União Europeia. Mais do que o fim de um tabu político no país – onde os referendos só estão previstos em casos muito excepcionais –, a ideia é vista como um sinal de um desconforto crescente entre os alemães face às medidas adoptadas para resolver a crise na zona euro.

A proposta tem o cunho da União Social Cristã (CSU), o partido gémeo da CDU na Baviera e membro da coligação vencedora das legislativas de Setembro. O seu eleitorado conservador está entre os mais descontentes com a participação alemã nos resgaste aos países em crise e esta não é a primeira vez que sugere um referendo sobre questões europeias. Mas a estranheza foi maior porque a sugestão foi subscrita por Thomas Oppermann, líder parlamentar do SPD, partido tradicionalmente pró-europeu e que serviu de âncora a Merkel quando foi preciso ir em socorro da moeda única.  

“A população deve ser questionada directamente sobre decisões de política europeia de especial importância”, lê-se na proposta do grupo chefiado por Hans-Peter Friedrich, o ainda ministro do Interior e um dos representantes da CSU no Governo cessante, adiantando que um referendo seria desejável aquando “da adesão de novos Estados-membros, da transferência de poderes importantes para Bruxelas ou da participação de fundos alemães a nível da UE”.

Merkel que ficaria assim mais limitada na sua acção europeia se a ideia fosse avante  não reagiu em público, mas vários dirigentes democratas-cristãos mataram a ideia à nascença. “Essa proposta não verá a luz do dia. Estaríamos a colocar-nos ao nível dos políticos britânicos”, reagiu o eurodeputado da CDU Elmar Brok, numa referência ao compromisso assumido por Londres de não transferir novos poderes para Bruxelas sem consultar os eleitores.

A cúpula do SPD, reunida até sábado em Congresso, também se distanciou da ideia, dizendo que, apesar de favorável a um maior recurso à democracia directa, entende que referendar as questões europeias serviria apenas para fomentar movimentos como o recém-criado Alternativa para a Alemanha, partido antieuro que falhou por décimas a entrada no Bundestag.

É a ameaça de uma deriva populista que sustenta as apertadas restrições aos referendos federais na Alemanha: Hitler serviu-se dos plebiscitos para subir ao poder e a Constituição do pós-Guerra admite-os apenas no caso de alterações à Lei Fundamental ou mudanças nas fronteiras do país. A herança histórica é tão pesada que não chegaram a ser convocados sequer no período de reunificação ou antes da adesão ao euro.

Muitos analistas vêem, por isso, na inédita proposta uma forma de, quer a CSU quer o SPD, conseguirem obter contrapartidas no programa de Governo. Outros, porém, falam numa tentativa para responder ao desejo dos eleitores de ter uma maior palavra a dizer sobre as questões europeias – uma sondagem divulgada em Junho adianta que 71% dos alemães só admitia transferir mais poderes para Bruxelas mediante um referendo. E o simples facto de a ideia ter surgido durante as negociações para a formação de Governo mostra que a nova coligação não será imune a divergências no plano europeu, numa altura em que Merkel se prepara para propor um reforço da integração dos países da zona euro.

No SPD, contudo, as atenções estão mais centradas na política interna. Sigmar Gabriel, reeleito nesta quinta-feira líder do partido, repetiu aos congressistas o compromisso de submeter o acordo com a CDU a um referendo interno e reafirmou que, sem a introdução de um salário mínimo nacional, não haverá entendimento. “Queremos um acordo que introduza claramente a marca social-democrata no acordo de coligação.”
  
 

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