Houve uma "regressão brutal" da liberdade de imprensa em 2014

Em todo o mundo, trava-se uma guerra à informação. As motivações são distintas, o objectivo é comum: "reduzir ao silêncio pelo medo e pelas represálias".

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A liberdade de informação deteriorou-se em todo o mundo no ano passado Soe Zeya/Reuters

Não há surpresas no relatório dos Repórteres sem Fronteiras sobre a liberdade de imprensa no mundo. Em 2014, a tendência dos últimos tempos não só se confirmou, como piorou e no ano que passou assistiu-se a uma "regressão brutal" na liberdade da informação.

"Há uma deterioração global, ligada a factores distintos e às guerras de informação", disse à agência AFP Christophe Deloire, secretário-geral dos RSF. "2014 foi um ano de regressão brutal para a liberdade de informação. Dois terços dos 180 países [classificados] saem-se menos bem do que na edição anterior [do relatório]."

Nunca como agora os regimes — mesmo democráticos — olharam para a informação como uma arma que pode funcionar a seu favor. Nunca como agora se abusou de desculpas como a blasfémia ou a segurança nacional para justificar a perseguição e a censura. "‘Aqueles que abdicam de liberdades essenciais em troca de um pouco de segurança temporária não merecem nem a liberdade nem a segurança’, disse no século XVIII Benjamin Franklin, um dos fundadores dos Estados Unidos. Dois séculos depois, a segurança é o argumento mais usado pelos governos — tanto os democráticos, como os que não são — para atropelarem liberdades fudamentais e sufocarem os media", diz o relatório.

Apesar de não estar no fundo da tabela (está no 176.º lugar), a Síria continua a ser o país mais perigoso para os repórteres, consideram os RSF. Por isso, são poucos os que arriscam lá entrar, receando o Estado Islâmico, que decapita jornalistas, funcionários de organizações não governamentais e toda a gente de todas as idades que considere seus inimigos. Em todo o mundo, foram mortos 13 jornalistas em 2014, 164 foram presos.

O cenário sírio começa a ser reproduzido no Iraque, nas zonas controladas pelo Estado Islâmico, e, por isso, os Repórteres sem Fronteiras dizem que nestes países há "buracos negros" de informação.

No último lugar da lista que a organização faz todos os anos está a Eritreia, país do Corno de África há anos no fundo da tabela. Em Setembro de 2001, o ditador Isaias Afewerki baniu toda a imprensa livre — foi tudo fechado à força — e prendeu mais jornalistas do que qualquer outro país do mundo. Em 2012, o Comité de Protecção dos Jornalistas declarou a Eritreia o país "com mais censura do mundo", sublinhando que "nem uma publicação nacional independente foi autorizada a existir desde que o Governo aniquilou a dissidência, em 2001".

Os países africanos, e apesar da subida de 15 lugares da Costa do Marfim (para 85.º), estão entre os mais mal classificados e os RSF identificaram sete indicadores: abusos, falta de pluralismo, falta de independência dos meios de comunicação, ambiente dominado pela autocensura, quadro legal, falta de transparência e infra-estruturas.

Imediatamente antes da Eritreia, aparecem na lista a Coreia do Norte, o Turquemenistão e a China.

"Do Boko Haram [o grupo armado islamista nigeriano] ao Estados Islâmico, dos narcotraficantes da América Latina à mafia siciliana, as motivações variam, mas o modus operandi é o mesmo: querem reduzir ao silêncio, pelo medo e pelas represálias", diz o relatório, que está publicado na página da organização na Internet.

No documento, o caso da Itália destaca-se. O país da União Europeia caiu 24 lugares na tabela, passando para a 73.ª posição, devido às "ameaças, nomeadamente da mafia, e dos processo de difamação e abusivos".

É da União Europeia o país que ocupa, há 50 anos, o primeiro lugar, aquele onde há mais liberdade de expressão — a Finlândia. É seguida da Noruega e da Suécia.

Entre os países europeus que caíram na tabela estão o Luxemburgo (de 4.º para 19.º), o Liechtenstein (de sexto para 27.º) e Andorra, que passa da posição cinco para a 32. "São situações comparáveis, com a proximidade entre os poderes político, económico e mediático a gerar conflitos de interesse frequentes e que assumem cada vez mais importância", diz o relatório.

Portugal surge em 26.º lugar na tabela, tendo o último caso mencionado a data de 2012, quando um tribunal multou em 4950 euros o deputado socialista Ricardo Rodrigues por, em Abril de 2010, ter roubado os gravadores de dois jornalistas da revista Sábado que o entrevistavam.

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