Ataque a clínica para pessoas com deficiência faz 19 mortos no Japão

É o pior homicídio múltiplo no país desde 1938. Atacante é um antigo funcionário do centro que já tinha ameaçado "fazer desaparecer" centenas de deficientes

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Polícias em frente ao edifício onde ocorreu o ataque Kyodo/Reuters

Dezanove pessoas internadas num centro para pessoas com deficiência numa cidade nos arredores de Tóquio foram mortas à facada por um antigo funcionário, no pior homicídio em massa no Japão desde a II Guerra Mundial. O atacante tinha sido submetido a tratamento psiquiátrico depois de em Fevereiro ter ameaçado “fazer desaparecer” centenas de pessoas com deficiência.

Satoshi Uematsu, de 26 anos, entrou durante a madrugada na clínica Tsukui Yamayuri Garden, uma unidade rodeada por montanhas e amplos jardins, com capacidade para 160 doentes em Sagamihara, uma cidade com 700 mil habitantes a oeste da capital. Vestido de negro e transportando várias facas, o homem partiu uma janela para entrar na clínica e, segundo a televisão NTV, terá conseguido manietar alguns dos funcionários antes de se dirigir aos quartos dos doentes, muitos dos quais foram esfaqueados durante o sono.

A polícia anunciou ter recebido um alerta para a presença de um homem armado no centro às 2h30 (18h30 desta segunda-feira, em Portugal continental), tendo enviado para o local dezenas de unidades, mas o atacante acabaria por se entregar. Segundo a imprensa, terá dito aos agentes que se queria “livrar das pessoas deficientes deste mundo”.

Segundo as autoridades, as vítimas têm idades entre os 18 e os 70 anos, dez delas são mulheres e nove homens. Entre os feridos, 20 estão em estado grave, alguns tendo sofrido “cortes profundos”. “Eles estão muito chocados, não conseguem ainda falar”, disse à NTV um médico de um dos seis hospitais para onde foram transportados os feridos.

Cartas com ameaças

O ataque, escreve a AFP, é o mais grave no Japão desde que, em 1938, um homem armado com um machado, um sabre e uma espingarda matou 30 pessoas antes de se suicidar. Incidentes deste género são raros no país, que tem uma das mais apertadas leis de controlo de posse de armas.  

O Governo nipónico não demorou a descartar a hipótese de se tratar de uma acção terrorista – num momento em que se multiplicam os atentados na Europa. Mas o ataque levanta sérias dúvidas quer sobre a segurança da clínica de Sagamihara, quer sobre a forma como as ameaças feitas no passado por Uematsu foram tratadas.

Sabe-se agora que, há cinco meses, o atacante escreveu várias cartas em que confessava o seu desejo de “fazer desaparecer” centenas de deficientes, chegando ao ponto de afirmar que seria capaz de matar 260 pessoas em duas áreas da clínica durante o turno da noite, sem fazer mal aos empregados que lá trabalhavam. “O meu objectivo é um mundo em que os deficientes graves possam ser submetidos a eutanásia com o consentimento dos seus guardiães, se forem incapazes de viver nas suas casas ou ser activos na sociedade”, afirmou numa das cartas que terá endereçado ao presidente do Parlamento nipónico, adianta a agência de notícias Kyodo.

Não é ainda claro se, por essa altura, Uematsu ainda trabalhava na clínica, nem quais os motivos exactos para o seu despedimento. Os responsáveis policiais adiantam, para já, que na sequência das ameaças, o atacante foi internado num hospital durante duas semanas, tendo recebido alta a 2 de Março mediante o parecer de um médico que atestava melhorias no seu estado de saúde mental.

Numa visita ao local do ataque, o governador da província de Kanagawa, Yuji Koroiwa, prestou homenagem às vítimas e pediu desculpa por as autoridades não terem reagido aos sinais de que Uematsu poderia vir a concretizar as suas ameaças.

Nesta terça-feira, os habitantes de Sagamihara mostravam-se incrédulos e revoltados com o ataque – o último homicídio na cidade aconteceu há dez anos. “Estou em choque”, disse Chikara Inabayashi, que vive perto do centro da cidade e contou ter acordado durante a madrugada “com as sirenes” das ambulâncias. “Nunca pensei que pudesse assistir a uma tragédia destas aqui.” “Ele diz que se queria livrar dos deficientes, mas é ele que não vale nada”, revoltava-se Susumu Fujimura, um taxista local, em choque com um ataque “contra pessoas que não são capazes de se defender”.  

A maioria dos incidentes violentos no Japão foram esfaqueamentos, o que em 2009 levou o Governo de então a apertar as leis de compra e posse de armas, proibindo inclusive facas de duplo gume. Em Junho do ano anterior, um homem conduziu um camião até um movimentado centro comercial no distrito de Akihabara, também nos arredores de Tóquio, e esfaqueou pessoas aleatoriamente, matando sete delas. O ataque aconteceu exactamente sete anos depois de um homem com registo de distúrbios mentais ter esfaqueado oito crianças até à morte numa escola primária em Osaka.

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