Hollande e Valls, só um se poderá candidatar

Primeiro-ministro e Presidente francês disputam a possibilidade de se candidatarem às presidenciais pelo PS, numas eleições em que a esquerda se fragmenta cada vez mais.

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Valls sobre a candidatura de Hollande: “O que está em causa não é apenas uma questão de vontade, mas de responsabilidade histórica" ERIC FEFERBERG/AFP

Quando François Hollande recebeu Manuel Valls para o habitual pequeno-almoço de trabalho entre as duas principais figuras do Governo socialista francês nesta segunda-feira, as expectativas eram altas. Iria o Presidente exigir que o seu primeiro-ministro se demitisse, depois de uma entrevista no fim-de-semana em que Valls pôs em causa a legitimidade de Hollande para se recandidatar às presidenciais, aprofundando as divisões à esquerda, no momento em que a direita francesa se une em torno de François Fillon?

Não transpirou nada de dramático do lado do Eliseu, e Valls regressou ao Palácio de Matignon, a sede do Governo. Mas Stephane Le Foll, o ministro porta-voz do Governo (e próximo de Hollande) viu-se obrigado a afastar a sugestão avançada, também no fim-de-semana, pelo presidente do Parlamento: “Não haverá primárias entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Isso não existe, não se pode imaginar”. 

“Tenho relações de respeito, de amizade e de lealdade com o Presidente. Mas a lealdade não exclui a franqueza. Há que constatar que nas últimas semanas, o contexto se alterou. A publicação do livro de confidências [de Hollande, Un Président ne devrait pas dire ça] criou uma profunda consternação à esquerda. Face a este clima, à dúvida, à desilusão, à ideia de que a esquerda não tem hipóteses, quero quebrar essa engrenagem que nos conduzirá à derrota”, disse Valls ao Journal du Dimanche, mais uma vez quase declarando a sua candidatura.

“Mas sabe se o Presidente tem vontade de se recandidatar?”, perguntam ao primeiro-ministro. Valls não cede: “O que está em causa não é apenas uma questão de vontade, mas de responsabilidade histórica, que deve levar em conta o interesse de França e da esquerda".

Até 15 de Dezembro todos os candidatos às primárias de esquerda terão de se declarar, pois termina o prazo para participar. Neste momento, são 12 os candidatos – mas nem todos vão participar nas primárias, contando com Valls e Hollande, que se sabe estarem interessados mas ainda não entraram oficialmente na corrida.

Dois candidatos que não participarão nas primárias podem obter cada um cerca de 10%: Jean-Luc Melénchon, que finalmente conseguiu obter o apoio do Partido Comunista e Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia do Governo socialista, cujas ideias o levam mais para o eleitorado do centro.

E só na área do PS há vários pesos pesados, ex-ministros da ala esquerda, como Arnaud Montebourg e Benoît Hamon, que podem fazer uma séria mossa a Hollande ou a Valls, se estes se submeterem às primárias – o que não é de todo claro que aconteça.

"Deixem de ser megalómanos"

Jacques Atali, que foi conselheiro do Presidente François Mitterrand, escreve esta segunda-feira no Le Monde um artigo em que apela aos políticos de esquerda para que deixem de ser “cegos, megalómanos e sensíveis à lisonja”, multiplicando as candidaturas. Pede que se retirem ou que concorram todos a umas primárias únicas da esquerda. “Evitariam ser responsáveis, aos olhos da História, pelo castigo que a direita infligirá aos que votaram em vocês. E darão à França a esperança que ela merece.”

Subsistem ainda muitas dúvidas sobre as primárias da esquerda, o que leva alguns a questionar se vão de facto realizar-se. Se o Presidente quiser recandidatar-se, deverá ser obrigado a submeter-se às primárias, num concurso aberto com outros candidatos? Corre o risco de ser humilhado com uma votação que reflicta os seus níveis recorde de impopularidade.

Manuel Valls arrisca-se a não ter resultados muito melhores. Está implicado na política de Hollande, e segue uma linha social-democrata que não é popular no PS, o que tem alienado muitos eleitores socialistas.

“Penso que Valls ganharia em afastar-se e não assumir o falhanço provável da esquerda em 2017. Devia deixar que Hollande se candidatasse, para depois ter um papel central na reconstrução da esquerda”, aconselha o historiador político Jean Garrigues, da Universidade de Orléans e da Sciences-Po, em entrevista à rádio Europe 1.

Mas Manuel Valls está sempre disposto a ir à luta. “A direita escolheu o seu representante” para as presidenciais, que será François Fillon, disse ao Journal Du Dimanche. “Qual será a principal força a opor-se a ele? Eu recuso-me a aceitar que seja a extrema-direita.”

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