Hillary Clinton faz história e ganha um guarda-costas chamado Bernie Sanders

A primeira mulher a candidatar-se à Casa Branca por um grande partido viu o seu ex-adversário a enterrar definitivamente o machado de guerra. Bill Clinton recordou o passado e disse que Hillary é “a melhor pessoa a concretizar mudanças” que conheceu na vida.

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Hillary Clinton dirige-se à convenção a partir de Nova Iorque REUTERS/Mark Kauzlarich
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Bill Clinton, ex-Presidente dos EUA, a discursar durante a convenção REUTERS/Mark Kauzlarich
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O discurso de Bill Clinton REUTERS/Rick Wilking
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Bernie Sanders dirige-se ao plenário para pedir a aclamação de Hillary Clinton REUTERS/Mark Kauzlarich
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Um delegado chora depois de Clinton ser escolhida pelo Partido Democrata REUTERS/Mark Kauzlarich
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Delegadas festejam a decisão histórica: uma mulher escolhida como candidata REUTERS/Mark Kauzlarich
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O movimento de apoio a Bernie Sanders REUTERS/Jim Bourg

Depois de um início que parecia destinado a ser um mau reality show, com gritos, discussões e cada um para o seu lado, o Partido Democrata conseguiu transformar lentamente o segundo dia da sua convenção numa telenovela quase certinha, que acabou com um acontecimento já esperado, mas nem por isso menos histórico: Hillary Rodham Clinton é a primeira mulher a ser nomeada candidata à Presidência dos Estados Unidos por um dos maiores partidos daquele país.

Para os mais curiosos, o momento aconteceu precisamente às 18h56 (23h56 em Portugal continental), quando os representantes do estado do Dacota do Sul anunciaram os seus votos e empurraram Clinton para lá da marca dos 2383 delegados que ela precisava para garantir a nomeação.

O longo processo de votação, em que participam os 50 estados mais a capital federal e territórios administrados pelos Estados Unidos, foi um momento importante para aliviar a tensão no interior do pavilhão Wells Fargo, em Filadélfia, dando uma oportunidade para que os apoiantes do senador Bernie Sanders festejassem sempre que o nome do seu candidato era mencionado.

Em troca, a delegação do Vermont deixou passar a sua vez de votar, para que o seu senador – Bernie Sanders, pois claro –, pudesse dar mais um passo para voltar a unir o partido: como numa dança bem coreografada, Sanders cumpriu a sua parte do acordo e pediu a suspensão dos trabalhos para que Hillary Clinton fosse nomeada por aclamação.

“Proponho que a convenção suspenda a votação, proponho que todos os votos, todos os votos, declarados pelos delegados sejam reflectidos no registo oficial, e proponho que Hillary Clinton seja escolhida como a nomeada do Partido Democrata para Presidente dos Estados Unidos”, disse Sanders debaixo de uma ovação quase unânime – quase, porque alguns delegados de estados onde Bernie Sanders venceu nas primárias, como o Maine, o Kansas, o Alasca e o Oklahoma abandonaram a sala enquanto pediam a outros que fizessem o mesmo.

Mas esta mini-revolta, que também aconteceu na convenção do Partido Republicano contra a nomeação de Donald Trump, foi abafada pela onda de histeria que invadiu o pavilhão Wells Fargo ainda Bernie Sanders não tinha acabado de falar.

Hillary é a "melhor pessoa a concretizar mudanças"

Depois de ter posto na Sala Oval o primeiro Presidente negro da história do país, em 2008, o Partido Democrata fica agora a fazer figas para que a Casa Branca seja pela primeira vez ocupada por uma mulher – um feito que diz pouco a muitos millenials norte-americanos, que chegaram à idade adulta com a sensação de que essa conquista já estava no bolso, mas que era um sonho inatingível para muitas mulheres de outras gerações. Basta imaginar que era possível entrar numa máquina do tempo, viajar até ao passado apenas dez anos e dizer a alguém com um telemóvel em forma de concha que na década seguinte os próximos presidentes dos Estados Unidos seriam um negro chamado Barack Hussein Obama e (talvez) uma mulher, ainda que chamada Hillary Clinton.

No segundo dia da convenção já não se ouviram os apupos e as vaias dos apoiantes de Bernie Sanders que marcaram grande parte do primeiro dia, mas ainda assim é evidente que nem todos aceitam a realidade de que Hillary Clinton venceu mais estados, conquistou mais delegados e teve mais votos nas eleições primárias – esta facção do movimento criado por Bernie Sanders está furiosa com o partido, especialmente depois dos e-mails publicados pela organização WikiLeaks, nos últimos dias, onde alguns responsáveis foram apanhados a sugerir ideias para denegrir a imagem de Sanders.

Foi assim no pavilhão e foi assim também no Parque Franklin Delano Rossevelt, a poucos metros de distância do centro da convenção mas a anos-luz de qualquer contacto imediato de terceiro grau por causa das jaulas de ferro que já tinham deixado a sua marca em Cleveland, durante a convenção do Partido Republicano.

Primeiro reunidas à volta de um smartphone, como um grupo de adeptos de futebol colados ao rádio em dia de final, e mais tarde sentadas na relva como os olhos postos num ecrã gigante, centenas de pessoas que só votariam no candidato do Partido Democrata se esse fosse Bernie Sanders também entravam em êxtase sempre que o nome do seu herói era mencionado.

Um deles é Donimique Daniel, “também conhecido como Freedom [liberdade]”. Tem 30 anos, veio da Califórnia e ficou a acampar neste parque aberto ao público há 102 anos, com outras centenas de pessoas unidas por uma única ideia: Bernie or Bust, qualquer coisa como ou voto no Bernie ou não voto em ninguém do “sistema”.

“O Bernie é o pai da nossa revolução, e nós agradecemos-lhe por isso. Tudo começou com ele, se não fosse por ele não estaríamos aqui reunidos como se fossemos um. Mas com ou sem o Bernie, vamos continuar a nossa revolução. A Hillary precisa de nós, mas a nossa geração não vê as coisas dessa forma. Estamos em 2016, temos as redes sociais, a Internet, não podemos ser comprados”, diz Dominque, sentado numa tenda branca com um cartaz Bernie or Bust logo à entrada.

É um sentimento partilhado por muitos dos apoiantes mais intransigentes de Bernie Sanders. São poucos e o seu grupo é muito diversificado, mas os políticos actuais não fariam mal se lhes dessem mais atenção e menos paternalismo.

Apesar de tudo, a influência deste grupo nas eleições de Novembro pode estar a ser sobrestimada – são muitos os que nunca votaram e que só votariam desta vez se Bernie Sanders fosse o nomeado, e outros tantos para quem a segunda escolha sempre foi Jill Stein, dos Verdes, principalmente quem mora na Califórnia, onde os candidatos do Partido Democrata vencem desde 1992. Outros ainda só votariam num candidato que aprovasse o assunto que mais os preoucupa: para uns é a legalização da marijuana, para outros é a privacidade online, e também há quem diga que vai votar em Donald Trump depois de Bernie Sanders ter apoiado Hillary Clinton. Mas esse é um fenómeno que também acontece no Partido Republicano, com a criação de grupos como as Mulheres a Favor de Clinton, com a agravante de que muitas grandes figuras do partido não aceitaram sequer estar presentes na convenção, em Cleveland, por não se reverem no seu nomeado.

Lá dentro, no pavilhão Wells Fargo, subia ao palco o antigo Presidente Bill Clinton, que fez mais para humanizar a figura da sua mulher e nomeada do Partido Democrata do que os cinco familiares de Donald Trump fizeram por ele na convenção do Partido Republicano.

Enquanto os discurso de Melania, Donald Jr., Eric, Tiffany e Ivanka revelaram pouco mais sobre a vida de Donald do que um marido e um pai carinhoso e motivador, Bill voltou a contar a história de como conheceu Hillary, em Abril de 1971, mas de uma forma muito mais profunda.

“Ela é a melhor pessoa a concretizar mudanças que eu conheci na vida”, disse Bill Clinton, num discurso em que passou a pente fino o passado de Hillary Clinton como lutadora por causas como a valorização das mulheres, a melhoria da educação das crianças e as suas medidas enquanto secretária de Estado, num discurso particularmente dirigido a quem só vê na sua mulher uma pessoa pouco transparente e em quem não se pode confiar.

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