Helen Thomas, jornalista que acompanhou dez Presidentes americanos, morreu aos 92 anos

Veterana repórter da Casa Branca começou a carreira seguindo John Fitzegerald Kennedy. Era uma lenda do jornalismo de Washington

Helen Thomas na sala de imprensa da Casa Branca, em 2008
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Helen Thomas na sala de imprensa da Casa Branca, em 2008 Joshua RobertsIREUTERS
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Thomas com Obama, com quem partilhava a data de aniversário Jim Young/Reuters
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Obama responde a Thomas na primeira conferência deste Presidente Jason Reed/Reuters
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Thomas deixou a agência em 2000 e passou para os jornais Paul J. Richards/AFP
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Filha de pais libaneses, nasceu no Kentucky e cresceu em Detroit Paul J. Richards/AFP
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A jornalista com Bill Clinton, em 1995 Terry Bochatey/Reuters
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George W. Bush recusou responder-lhe durante três anos Jonathan Ernst/Reuters

Helen Thomas, a jornalista norte-americana que durante quase 50 anos teve lugar cativo na primeira fila da sala de imprensa da Casa Branca, morreu no sábado de manhã, aos 92 anos, depois de uma doença prolongada. A morte foi confirmada por uma nota do Gridiron Club, uma vetusta e selecta instituição de Washington que quebrou a tradição ao aceitar Helen Thomas como membro – a primeira mulher a entrar no clube e que um dia chegou a presidente.

A longevidade e pioneirismo da carreira fizeram dela uma “lenda” entre os jornalistas da capital dos EUA. Helen Thomas teria alcançado um estatuto mítico no jornalismo político norte-americano, não fosse o episódio que a afastou definitivamente da profissão, em 2010, com quase 90 anos: a divulgação de comentários anti-semitas, numa conversa filmada por um rabi e documentarista que estava de visita à Casa Branca. Ela surgia a dizer que os judeus "deviam pôr-se a andar da Palestina" e "ir para para casa". Não resistiu à controvérsia, que acabou por ditar a sua demissão.

Como recordam agora os seus antigos colegas, esse incidente que a obrigou a uma reforma indesejada e sem glória resumia, para o melhor e o pior, a personalidade e o carácter de Helen Thomas: uma mulher destemida, polémica, que não se furtava a controvérsias e não se importava de ser inconveniente. “Coquette” na aparência mas simples no trato, dura nas palavras mas justa nos juízos, inflexível mas generosa e divertida com os seus colegas e as suas fontes.
Filha de imigrantes libaneses, Helen Thomas nasceu no Kentucky e cresceu em Detroit, numa família de nove filhos. A sua paixão pelo jornalismo manifestou-se no liceu, e cresceu na universidade.

Atrás das cabeleireiras de Jackie
No fim dos estudos, em 1942, mudou-se para Washington, onde arranjou emprego como copygirl no defunto Washington Daily News. Foi uma passagem efémera, mas que lhe deu a confiança necessária para, um ano depois, ir bater à porta de cada um dos escritórios do National Press Building – foi a agência United Press Internacional (UPI) quem a contratou, para o serviço de rádio (a voz grave tornar-se-ia uma das suas imagens de marca).

Da rádio foi transferida para a secção nacional na década de 1950, cobrindo o noticiário das agências e departamentos do Governo federal. Em 1960 foi destacada para a cobertura da campanha eleitoral de um jovem senador democrata, John F. Kennedy. Thomas reconheceu aí uma oportunidade: nenhum dos repórteres veteranos da política conseguia garantir o noticiário sobre a vida do casal Kennedy que tanto interesse despertava, e Helen corria atrás das cabeleireiras e modistas de Jaqueline Kennedy.

O seu esforço acabaria por ser recompensado quando, em 1961, a UPI a integrou na sua equipa da Casa Branca – Kennedy acabava de ser eleito Presidente e uma nova era começava em Washington. Thomas entrava num mundo que ainda permanecia vedado às mulheres; ao longo dos anos, quebrou barreiras em nome das mulheres no jornalismo e até morrer foi uma proeminente defensora da igualdade de oportunidades na sua profissão.

Depois de Kennedy, o seu Presidente favorito, veio Lyndon Johnson; Richard Nixon; Gerald Ford; Jimmy Carter; Ronald Reagan, George Bush, Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama, com quem partilhava a data de aniversário. Helen Thomas acompanhou dez Presidentes e durante décadas na Casa Branca construiu uma sólida reputação como uma das jornalistas mais acutilantes, perseverantes e competitivas de Washington.

W recusou responder-lhe três anos
Algumas das perguntas “difíceis”, que colocava com uma inocente e desarmante facilidade, ficaram nos anais da Casa Branca. Como quando perguntou a Nixon sobre um alegado “plano secreto para acabar com a guerra no Vietname: qual é?”

Ou no fim do escândalo Lewinsky provocou Bill Clinton: “Acha que ainda devia estar aqui?”.

Ou quando na primeira oportunidade para inquirir George W. Bush – que durante três anos recusou responder-lhe por Helen o ter considerado “o pior Presidente da história dos Estados Unidos” – disparou: “Todas as razões que invocou para a invasão do Iraque revelaram-se falsas: afinal, essa guerra foi para quê?”

Thomas, que nunca escondeu as suas simpatias políticas “liberais”, demitiu-se da UPI no ano 2000, depois de 57 anos de contrato e depois de a agência ter sido comprada pela News World Communications, a subsidiária para os media da Unification Church fundada pelo líder religioso coreano Sun Myung Moon.

Era, na altura, a detentora da “senioridade” no corpo de correspondentes da Casa Branca: segundo as regras não escritas que vinculam os jornalistas que cobrem a presidência, a primeira pergunta nas conferências de imprensa é prerrogativa do repórter das agências há mais tempo no cargo.

Helen regressou dois meses mais tarde, como colunista do conglomerado Hearst Newspapers: os seus textos continuaram a ser distribuídos em jornais de todo o país, mas desta vez sem os “constrangimentos” da escrita de agência a que sempre obedeceu. “Tive de me auto-censurar durante mais de 50 anos, mas agora posso acordar e pensar: com quem é que estou furiosa esta manhã?”, escreveu na sua biografia Thanks for the Memories, Mr. President.

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