Há cada vez mais britânicos a surfar a “onda verde”

Num ano, o partido que oferece uma visão alternativa da economia e do governo quadruplicou o número de militantes. Numa eleição virtualmente empatada, o deputado do partido em Westmister tem uma palavra a dizer sobre o futuro político do Reino Unido.

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Natalie Bennett, a líder do Partido Verde Phil Noble/Reuters

Natalie Bennett está muito elegante. Usa uma saia preta justa, camisola branca e sapatos altos de verniz. Roupa pouco prática para o que se vai passar a seguir – o email dizia que a candidata do Partido Verde iria fazer campanha de rua, bater à porta dos eleitores deste bairro do Norte de Londres, uma tradição antiga da política britânica, para elucidar melhor os simpatizantes e tentar convencer os outros a votar nela nas eleições legislativas de quinta-feira.

O ponto de partida é o Map Café, em Kentish, onde há sanduíches em pão integral, taças de granola caseira, muitas variedades de chá verde e panfletos de grupos de esquerda ao lado de cartazes a anunciar música ao vivo, jazz. O Map tem uma sala no primeiro andar que os verdes usam como sede local, é de lá que aparece Bennett. O encontro estava combinado, mas, quando estende a mão para o cumprimento – “Olá, como está, sou a Natalie Bennett”  –, diz que não pode ser. O bater às portas foi cancelado. “Sorry about that.

A candidata tem de ir a correr para o Soho, no centro de Londres, apresentar o manifesto LGBTIQ (lésbicas, gays, bissexuais, trangénero, intersexo e queer, ou pessoas que estão a questionar a sua sexualidade). O manifesto devia ser apresentado noutra cidade, mas à última hora foi passado para Londres e Bennett, que é a chefe do partido que tem entre as suas prioridades os direitos LGBTIQ, tem de estar presente.

“Isto de bater às portas… já não tem grande importância”, diz um voluntário do Partido Verde que pede o anonimato. Na sua opinião, é um ritual que todos cumprem, mas que está ultrapassado na era do online e das redes sociais.

David Blunkett , antigo ministro do Interior trabalhista, não concorda. No mês passado, disse à New Statesman que este método pessoal de fazer campanha perdeu importância quando podia ser essencial. Os partidos, os candidatos, esqueceram-se do que significa bater às portas e a maior parte deles, acusou, limita-se a falar rapidamente com apoiantes.

“Tudo se limita a duas situações. Ou os que são abordados dizem: ‘Não, obrigado, não estamos interessados em ouvi-lo.’ Ou dizem: ‘Sempre votámos em vocês.’ Ora o bater às portas deve ser muito mais, os candidatos devem provocar verdadeiras conversas com os eleitores, porque o que é fundamental em política é ouvir os que não querem votar em nós explicar por que vão votar noutro. É aí que devia começar o verdadeiro trabalho da campanha”, disse o antigo ministro.

Pela porta do Map Café passa uma senhora. Para poder andar, apoia-se no carrinho de compras. Mora mesmo ali ao lado. Se Natalie Bennett lhe batesse à porta, ouvia-a? “Oh, não, eu sempre votei labour [trabalhistas]”, diz, omitindo o nome, porque está com pressa. Anda muito devagar e tem de chegar ao dentista a horas.

Bennett mora nesta parte da cidade e é candidata a deputada por este círculo eleitoral, Holborn e St. Pancras. As projecções dizem que não tem hipóteses de ganhar, o seu adversário trabalhista deve ser reeleito. A candidata, explicam as suas colaboradoras, tem trabalhado muito aqui, mas o verde é um partido pequeno, a líder é a pessoa com mais projecção mediática e, por isso, tem ido a muitos lados, em campanha por outros candidatos e também por causas.

Por exemplo, a campanha LGBTIQ. No Soho, antes da apresentação do manifesto, há uma marcha. Bennett, que aproveitou o almoço num bar de noodles para mudar de sapatos, tem agora ténis pretos nos pés, segue pelas ruas, entregando panfletos, evitando os muitos estrangeiros nesta parte turística da cidade e dizendo “obrigada” aos que não aceitam o papel, quando percebem o que é. Alguns londrinos aproveitam para lhe desejar boa sorte, duas mulheres querem perguntar-lhe quais são as suas soluções de governo, porque ainda não perceberam bem.

O Partido Verde responde às preocupações ecológicas dos militantes de base, ao mesmo tempo que se assume como alternativa para os descontentes com a política. Promete criar um milhão de empregos, subir o salário mínimo para dez libras a hora, recuperar o serviço nacional de saúde e aumentar os impostos aos mais ricos e às empresas.

Bennett tem sido acusada de ter uma plataforma eleitoral utópica, que implica um aumento brutal na despesa do Estado, 20%, quando não explica onde vai buscar tanta receita.

Atrás da candidata, além das duas dezenas de participantes na marcha, vão quatro câmaras de estações de televisão e outros tantos jornalistas da imprensa escrita. Quando a marcha chega a Soho Square, há mais media à espera. Há um ano não era assim. Ninguém aparecia para cobrir as iniciativas do Partido Verde. E, quando os jornalistas apareciam, não levavam o partido a sério.

Em 2014, porém, assistiu-se a uma “onda verde”. De repente, os cidadãos descontentes como o que Bennett chama “políticos do costume a fazerem a política do costume” começaram a procurar alternativas. Num ano, o número oficial de militantes do Verde quadruplicou, chegou aos 55.600, ultrapassando o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, anti-imigração e xenófobo, que está perto dos 49 mil) e os liberais-democratas (que são parceiros na coligação no poder e estão abaixo dos 50 mil militantes). Os novos membros do partido são sobretudo jovens, na casa dos 20 anos, e vão votar pela primeira vez. Na última sondagem antes das eleições divulgada neste domingo pelo jornal The Guardian, o Verde aparece com 5% dos votos.

A “onda verde” tornou o partido ousado e, nestas eleições, concorrem em 90% dos círculos eleitorais e sonham com a eleição de mais um deputado além de Caroline Lucas, que deve assegurar o seu lugar por Brighton. Se o sistema eleitoral não fosse uninominal maioritário (ou seja, só é eleito um deputado, o que tem mais votos, por cada círculo eleitoral), talvez Bennett chegasse a Westminster.

“Tem de haver uma reforma do sistema eleitoral, de forma a que as eleições expressem a realidade”, diz Bennett aos jornalistas. “É uma reforma urgente, porque o país mudou e é absurdo que a última vez que se mexeu na lei eleitoral tenha sido em 1918, quando as mulheres conquistaram o direito de votar.”

O segundo deputado não deverá acontecer, mas isso não retira ímpeto ao partido de esquerda que, no intricado panorama eleitoral britânico, pode ser importante para a formação do próximo governo.

O único dado assente sobre o resultado das eleições de quinta-feira é que não haverá uma maioria e o Parlamento vai ficar tão fraccionado que os dois maiores partidos, conservador e trabalhista, terão de contar todos os apoios possíveis para que um deles chegue ao poder. Um voto a mais ou a menos pode fazer a diferença – e, pela primeira vez, o deputado verde é relevante para o futuro político.

No Soho, Bennett faz a apresentação do manifesto LGBTIQ: casamento, em vez da actual união civil, que não dá os mesmos direitos aos cônjuges, acabar com a discriminação na lei sobre doação de sangue, educação sexual inclusiva desde a primária.

Mas quando a marcha termina e os jornalistas que agora acorrem às iniciativas do verde se aproximam de Bennett, não é sobre os direitos LGBTIQ que querem falar. Querem falar da política tradicional. Querem saber, por exemplo, se a “onda verde” é real ou passageira, se não será “apenas” a expressão de um descontentamento. “Muita gente quer uma verdadeira mudança na atitude política. São pessoas que estão menos interessadas em ideologias e mais preocupadas com os assuntos que importam. Desejam uma sociedade mais justa e é isso que vêem em nós”, diz a candidata. O sistema político, sublinha, tem de “pôr o interesse público em primeiro lugar”.

O Partido Verde ofereceu o voto do seu deputado a Ed Miliband, no caso de o líder trabalhista precisar dele para se tornar primeiro-ministro. Os jornalistas querem saber como se explica este apoio a um partido do mainstream que defende uma maneira de fazer política em que o verde não acredita. Natalie Bennett, que durante muitos anos foi jornalista (era editora do Guardian Weekly quando mudou definitivamente de carreira), sabe que está toda a gente à espera do soundbite que irá ser usado nos telejornais da noite e nos jornais do dia seguinte e cede: “Ok, o mais importante nestas eleições é impedirmos a continuação do governo conservador.”

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