Há ataques com drones guiados apenas por localização de telemóveis

Operações em países como o Paquistão ou o Afeganistão, sem confirmação no terreno, aumentam o risco de morte entre civis inocentes. Torna-se impossível saber quem está a usar os telefones.

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Sem informações recolhidas no terreno, aumentam as hipóteses de mortes de pessoas inocentes Khaled Abdullah/Reuters

Muitos dos ataques com drones norte-americanos em países como o Paquistão, o Afeganistão ou o Iémen são realizados apenas com base na localização de telemóveis recolhida pela Agência de Segurança Nacional, sem confirmação no terreno de que o número em causa está a ser utilizado por um combatente com ligações a uma rede terrorista, avança a nova publicação digital The Intercept, liderada pelo jornalista Glenn Greenwald, que tem escrito sobre os documentos obtidos pelo analista informático Edward Snowden.

A investigação baseia-se em testemunhos de um antigo operador de drones da unidade de alvos especiais do Comando Unificado de Operações Especiais (JSOC, na sigla original), responsável por localizar e matar suspeitos de terrorismo; em documentos divulgados por Edward Snowden; e em declarações de Brandon Bryant, um outro ex-operador de drones.

O antigo operacional, citado sob a condição de anonimato, diz não ter dúvidas de que os ataques com drones realizados apenas com recurso à geolocalização de telemóveis já mataram terroristas, mas afirma que também já mataram pessoas inocentes.

"Assim que uma bomba cai ou que uma operação nocturna começa, sabemos que aquele telefone está lá. Mas não sabemos quem é que o tem. Presumimos que o telefone pertence a um ser humano considerado um 'combatente inimigo ilegal'. É aqui que as coisas se tornam dúbias", cita o The Intercept.

Os ataques com drones dependem da recolha de informação sobre os telemóveis dos suspeitos – a sua localização e os dados referentes às chamadas, por exemplo –, mas o que o The Intercept afirma é que muitos deles baseiam-se única e exclusivamente nesse tipo de informação, levando ao que os jornalistas descrevem como "morte por metainformação não fiável".

"As pessoas ficam com a ideia de que há uma lista de pessoas. A verdade é que estamos mais a atacar um telemóvel. Não estamos a ir atrás de pessoas – estamos a ir atrás dos seus telefones, na esperança de que a pessoa que vai ser atacada com um míssil é um inimigo", diz o antigo operador de drones. "Pode ser um terrorista. Ou podem ser familiares, sem nenhuma relação com as actividades do alvo."

Conhecedores das técnicas usadas pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla original) para localizar os seus alvos, alguns combatentes procuram baralhar os operacionais responsáveis por recolher informações. "Faziam coisas como irem a reuniões, tiravam todos os cartões SIM [dos telemóveis], punham-nos num saco, misturavam-nos, e saíam todos com um cartão diferente", conta o operador.

Outros – escrevem os jornalistas do The Intercept –, "que não sabem que os seus telemóveis foram localizados, emprestam-nos a amigos, crianças, cônjuges e outros familiares, com o cartão SIM inserido".

A porta-voz da NSA, Caitlin Hayden, recusou-se a responder às perguntas dos jornalistas e disse que não iria discutir "detalhes operacionais que não deveriam ser publicados".

O novo jornal online The Intercept foi lançado nesta segunda-feira. Dirigido por Glenn Greenwald (um dos jornalistas que mais tem escrito sobre os documentos obtidos pelo analista informático Edward Snowden), Jeremy Scahill (distinguido em duas ocasiões com o prémio de jornalismo George Polk) e Laura Poitras (a realizadora que filmou a entrevista a Edward Snowden num hotel em Hong Kong), é financiado pelo fundador do site eBay, Pierre Omidyar.

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