Guatemala vai a votos num clima de revolução contra o sistema

O Presidente demissionário foi preso por acusações de corrupção, como tinham exigido milhares nas ruas. Mas os indignados guatemaltecos não querem ficar por aqui.

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Os guatemaltecos têm protestado nas ruas todas as semanas Jose Cabezas/Reuters

A Guatemala viveu esta sexta-feira o seu último dia de campanha eleitoral num clima histórico marcado pela demissão e depois prisão preventiva do ex-Presidente Otto Pérez, por suspeita de crimes de corrupção. “Votar é fazer a Guatemala rugir mais forte”, proclamavam os cartazes ilustrados com um jaguar nas ruas da capital.

Domingo, para a primeira volta das eleições presidenciais, legislativas e municipais, as assembleias de voto abrem às 7h, para receber 7,5 dos 15,8 milhões de habitantes chamados a votar. Os primeiros resultados devem ser conhecidos depois das 21h (já madrugada em Portugal). Os dois candidatos mais votados defrontam-se numa segunda volta marcada para 25 de Outubro.

“O desafio é saber se as pessoas vão mesmo sair de casa para votar”, num país onde a participação eleitoral não tem parado de crescer nos últimos 20 anos, comenta Kevin Parthenay, investigador do Observatório sobre a América Latina da universidade SciencesPo de Paris. “Depois haverá a ressaca: seja qual foi o candidato vencedor, penso que para ele vai ser muito complicado”.

O escrutínio realiza-se num contexto atípico, já que milhares de guatemaltecos exigiram nas ruas o seu adiamento, tanto como exigiram durante meses a demissão do Presidente, no poder desde 2012. Este último, depois de ter martelado que não deixaria o seu cargo antes do fim do seu mandato no próximo dia 14 de Janeiro, cedeu finalmente e entregou a sua demissão na quarta-feira, sendo substituído pelo vice-presidente Alejandro Maldonado.

A demissão aconteceu depois de Otto Perez ter perdido por voto parlamentar a sua imunidade, na terça-feira, e antes de ser ouvido por um juiz na quinta-feira. Acusado de dirigir uma vasta rede de corrupção e fraude fiscal ligada às alfândegas, através da qual os funcionários recebiam subornos para isentar de impostos algumas importações, o  general de 62 anos, na reserva, fiou preso preventivamente.

A sua antiga vice-presidente, Roxana Baldetti, também foi presa no âmbito deste caso. Ela é acusada de ter recebido 3,8 milhões de dólares em subornos e Perez 3,7 milhões.

Em termos mais gerais, num país completamente minado pela corrupção, os manifestantes que protestaram pacificamente todas as semanas desde Abril, exigem uma mudança de sistema político. Trata-se de um movimento de indignação “sem precedentes na história da Guatemala” com uma mensagem clara: “Estamos a ser esmagados pela corrupção. Basta!”, analisa Adriana Beltran, do Gabinete de Washington para a América Latina (WOLA).

Votos comprados

Numa entrevista à AFP na passada terça-feira, a militante indígena Rigoberta Menchu, prémio Nobel da Paz em 1992, saudou “o grande despertar da população”, depois de décadas sem verdadeiramente reagir. Mas também mostrou a sua preocupação com a votação de domingo e disse esperar que “passe esse dia 6 de Setembro sem um pingo de sangue derramado”.

Este clima de ebulição popular levou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a apelar num comunicado “a todos os guatemaltecos para que estas eleições se realizem de forma pacífica”, num país onde são registadas 6000 mortes violentas por ano, na sua maioria ligadas ao crime organizado.

Num sinal de que a situação pode estar a mudar, o humorista Jimmy Morales, candidato por um partido de direita e sem experiência política, lidera as intenções de voto para as presidenciais, segundo uma sondagem publicada na quinta-feira.

Aos 46 anos, Morales é creditado com 25% dos votos, ultrapassando Manuel Baldizon (direita, 22,9%), o favorito até agora, e a social-democrata Sandra Torres, ex-primeira-dama (18,4%), segundo a sondagem que foi feita alguns dias antes da demissão de Otto Perez.

Manfredo Marroquin, director da organização Accion Ciudadana, braço local da organização anticorrupção Transparency International, não esconde o seu pessimismo, num país onde a compra de votos é prática corrente. Os votos podem ser comprados, por exemplo, através da distribuição de sacos com alimentos ou de sorteios durante os comícios, de prémios que podem dar motos ou bicicletas, explica Marroquin, neste país em que 53,7% da população vive abaixo do limiar da pobreza, segundo dados do Banco Mundial.

“Cinquenta por cento do financiamento dos partidos vem da corrupção”, denuncia também Jonathan Menkos, director do Instituto Centro-Americano de Estudos Fiscais e “infelizmente, a grande maioria dos partidos políticos só tem palavras de boa vontade e nenhum plano concreto” para lutar contra este flagelo.

 

 

 

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