Grécia faz cedências à austeridade e abre hipótese de acordo esta semana

Líderes europeus aplaudem novas medidas de consolidação orçamental apresentadas pelo Governo na Segurança Social e no IVA. Negociações prosseguem para que um acordo seja obtido num novo Eurogrupo a realizar na quarta-feira.

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Da boca dos líderes europeus saiu algo que não se ouvia já há muito tempo: elogios à Grecia AFP/Emmanuel Dunand

Em mais um dia classificado como decisivo, um acordo voltou a ser adiado. Mas a entrega pela Grécia de uma proposta que inclui mais medidas de austeridade e que é descrita pelos líderes europeus como a “primeira verdadeira proposta em várias semanas” foi o suficiente para melhorar consideravelmente as expectativas de sucesso nas negociações entre o Governo grego e os seus credores, apostando-se agora na tentativa de chegada a um entendimento definitivo até ao final desta semana.

Durante o fim-de-semana, o clima de tensão esteve no máximo. Nos dias anteriores, os progressos nas negociações tinham sido nulos, com ambas as partes a dizer que a bola estava no campo rival. No entanto, pressionado pela perspectiva de perda imediato do acesso ao financiamento dos seus bancos, o Executivo de Atenas preparou um movimento de aproximação. Entregou à Comissão Europeia, BCE e FMI, uma proposta reformulada de medidas que contém, em determinadas áreas, cedências em relação ao que tem vindo a ser pedido pelo credores.

Da boca dos líderes europeus saiu algo que não se ouvia já há muito tempo: elogios à Grecia. “É um passo bem vindo e positivo”, disse o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem. O presidente do Conselho da UE, Donald Tusk, falou da “primeira verdadeira proposta em várias semanas”. E François Hollande defendeu que as propostas são muito mais fortes que as anteriores”.

Todos fizeram questão de assinalar que ainda há trabalho a fazer, mas deixaram claro que um acordo pode ser possível até ao final desta semana, se as negociações das instituições que compõem a troika com a Grécia correrem bem, tornando possível a realização de uma nova reunião do Eurogrupo na quarta-feira.

Ao contrário do que era a expectativa geral, os avanços visíveis do dia acabaram por ser todos feitos entre os ministros das Finanças, deixando a cimeira de líderes da zona euro esvaziada em relação à discussão em concreto do conteúdo do acordo. Daí surgiram essencialmente novas declarações de intenções de ordem política e muitos avisos de que o acordo ainda está por concluir. Angela Merkel, em conferência de imprensa, repetiu várias vezes que “ainda há muito trabalho a fazer” e fez questão de salientar que, antes de qualquer dinheiro ser libertado para a Grécia pelo parlamento alemão, espera ver no parlamento grego a aprovação das medidas que vierem a ser estabelecidas no acordo.

Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, foi o mais peremptório: “Vamos finalizar o processo esta semana”, disse.

Dos mercados também vieram aplausos, com as bolsas europeias em forte alta (com destaque para os bancos gregos) e as taxas de juro da dívida a descerem.

Mas afinal, o que é que a Grécia apresentou agora de diferente para que a via das negociações – que na semana passada esteve completamente fechada – tenha ficado outra vez aberta? De acordo com a versão da proposta que entretanto foi sendo tornado pública por meios de comunicação social gregos e internacionais, o Governo de Alexis Tsipras passou a apontar para um excedente primário de 1% do PIB este ano e de 2% no próximo, os valores que os credores tinham pedido na sua proposta mais recente. E estão previstas medidas de consolidação orçamental de 2692 milhões de euros este ano e de 5207 milhões no próximo.

No entanto, até nem é nestas metas orçamentais que tem estado o problema central das negociações. A verdadeira dificuldade tem estado na forma muito diferente como as duas partes entendem que essas metas podem ser cumpridas. A troika tem acusado Atenas de apresentar medidas pouco credíveis, enquanto a Grécia diz que a troika insiste num modelo de austeridade que já mostrou que é contraproducente e não resulta.

Agora, para desbloquear as negociações, a proposta grega parece ficar a meio caminho da receita da austeridade. Na Segurança Social, a área onde as diferenças eram mais acentuadas entre as duas partes, a Grécia passa a prometer fazer muito mais para obter poupanças.  Antes os ganhos orçamentais previstos eram marginais, agora ascendem a 665 milhões de euros este ano e a quase 1800 milhões no próximo (o valor que era pedido pela troika). É certo que o Governo grego evita realizar cortes directos nas pensões e que a principal novidade vem da subida da taxa de contribuição das empresas em 3,9 pontos (para o nível que tinha no ano passado) que pode render 800 milhões de euros. Mas há também aumentos nas contribuições dos pensionistas para a Saúde, uma aceleração do aumento da idade efectiva da reforma para os 67 anos e uma eliminação progressiva do apoio do Estado às pensões mais baixas.

No IVA, também há cedências importantes, com o número de produtos a que se passa a aplicar a taxa máxima de 23% a aumentar. Apenas a energia, alimentos básicos e hotéis mantém a taxa intermédia de 13% e medicamentos e livros a taxa mínima de 6%. Com as mudanças espera-se um ganho de 680 milhões de euros este ano e de 1360 milhões no próximo.

Não é de espantar por isso que, ainda o acordo não está obtido em Bruxelas, e o Governo grego já começa a ficar preocupado com a reacção que terá em Atenas. Na capital grega – onde esta segunda feira se manifestaram em simultâneo, com a polícia pelo meio, opositores e apoiantes para permanência na zona euro – esta cedência em relação à austeridade pode dificultar a aplicação das medidas agora prometidas.

Alguns jornais gregos noticiavam que Yanis Varoufakis terá dito aos seus colegas do Eurogrupo que não será fácil fazer passar estas medidas no parlamento grego.

Para “vender” um acordo feito com base nesta medidas dentro do Syriza, Alexis Tsipras ainda conta contudo com alguns trunfos: não cedeu no corte directo das pensões, conseguiu ganhos significativos nas metas orçamentais em relação ao que era inicialmente pedido e incluiu várias medidas que passam os custos para os lucros das empresas e o património. E poderá vir ainda a tentar garantir uma abertura dos parceiros a algum tipo de reestruturação de dívida, ainda que moderada.

Na proposta, o tom do Governo é de pouco entusiasmo em relação às medidas sugeridas, defendendo-se contudo que “não condenam o país à austeridade severa e encontram uma solução viável para a economia grega, sem sobrecarregar aqueles que vivem com rendimentos baixos e médios”.

Se as diferenças que ainda subsistem entre os credores e o Governo grego (e que ainda são significativas em algumas matérias) forem superadas, espera-se que um acordo permita a extensão do actual programa até ao final do ano e a libertação da última tranche do empréstimo da troika. Provavelmente será também permitida a utilização para outros fins do dinheiro que está reservado para a capitalização da banca, dando uma hipótese à Grécia para fazer face aos compromissos com os credores.

As novas medidas

Metas orçamentais
Ao fim de quatro meses de discussões, Atenas e troika encontraram-se a meio caminho e já apontam para os mesmos valores para o excedente orçamental primário: 1% do PIB em 2015 e 2% em 2016.

Segurança Social
É acelerado o aumento da idade efectiva da reforma para os 67 anos, é delineado um plano de redução progressiva do apoio do Estado a complementos às reformas mais baixas, são aumentadas as contribuições dos pensionistas para a Saúde e é reposta a contribuição das empresas para a Segurança Social no mesmo valor do ano passado. No total, esperam-se ganhos orçamentais de 665 milhões de euros em 2015 e 1760 milhões de euros em 2016.

IVA
Vários produtos passam de uma taxa mínima ou intermédia de IVA para a taxa máxima de 23%. Apenas resistem os medicamentos e os livros a 6% e os produtos alimentares básicos, hotéis (por uma questão de competitividade) e energia a 13%. Os ganhos previstos ascendem a 680 milhões de euros em 2015 e 1360 milhões em 2016.

Outras medidas
O Governo mantém e reforça algumas outras propostas que já vinha apresentando, como um imposto de 12% nos lucros das empresas acima de 500 mil euros, o agravamento do IRC de 26% para 29%, um corte de 200 milhões de euros na despesa com defesa e a aplicação de um imposto sobre a publicidade na TV no valor de 100 milhões de euros.

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