"Grande coligação" mantém linha dura de Merkel face à crise do euro

Democratas-cristãos e sociais-democratas alemães olham com os mesmos olhos para a crise europeia

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Angela Merkel Fabrizio Bensch/Reuters

Não chega a ser uma decepção, porque já era largamente esperado: o novo acordo de coligação governamental concluído nesta quarta-feira entre os centristas (CDU) de Angela Merkel e os sociais-democratas (SPD) mantém a linha dura assumida nos últimos anos pela Alemanha face à crise do euro.

Apesar de algo vagos, os termos do acordo em relação à Europa são suficientemente claros para não deixar margem para dúvidas de que os dois partidos estão do mesmo lado da barricada: estabilidade – leia-se disciplina orçamental – responsabilidade e competitividade são as palavras-chave do novo acordo de Governo.

Mais importante ainda, os dois partidos assumem a velha rejeição alemã de qualquer tipo de mutualização de dívida, o que exclui a possibilidade de emissão de títulos de dívida em comum entre os países do euro, seja através de euro-obrigações ou euro-bilhetes (de duração mais curta), e mesmo de um fundo de amortização de dívida como era defendido pelo SPD.

Esta postura afecta directamente o grande tema actualmente em debate na zona euro em relação à criação de um mecanismo europeu único de "resolução" (recapitalização ou liquidação) de bancos falidos, apoiado por um fundo igualmente único e europeu destinado a cobrir os respectivos custos.

Estes dois instrumentos constituem um dos pilares centrais do projecto de união bancária que a zona euro está a tentar construir para acabar de vez com o contágio entre a dívida dos bancos e a dívida dos Estados – e vice-versa.

Esta união bancária é, por seu lado, considerada crucial para os países periféricos, incluindo Portugal, que precisam desesperadamente de restaurar a confiança dos investidores nas suas finanças públicas e nos seus bancos para poderem resolver o problema da fragmentação e elevado custo do crédito que está a dificultar a sua saída da crise económica.

Este será, aliás, o grande tema da próxima cimeira de líderes da União Europeia (UE) de 19 e 20 de Dezembro, para a qual se antevê desde já um confronto entre a Alemanha, de um lado, e a França, Itália e Espanha do outro.

Em Bruxelas, as perspectivas de um acordo dos líderes sobre esta questão são de resto consideradas muito remotas, não só por causa da distância que separa as posições dos Governos, mas também porque estando a eleição de Merkel pelo parlamento federal prevista algures entre 15 e 17 de Dezembro, Berlim não terá grande margem de manobra para entrar numa negociação de fundo com os parceiros.

Nesta frente, aliás, o SPD revelou-se ainda mais duro do que a CDU, ao recusar terminantemente qualquer utilização de dinheiro público para salvar bancos em risco.

O acordo de Governo mantém assim a ideia da anterior coligação da CDU com os liberais (FDP) de criação de um fundo europeu de resolução bancária alimentado unicamente por taxas específicas sobre os próprios bancos. Até este fundo estar constituído, serão os Estados que terão de assumir os custos da liquidação dos seus bancos através de fundos nacionais a constituir para o efeito. Antes disso, no entanto, CDU e SPD insistem na tradicional posição alemã de fazer pagar os problemas dos bancos, antes de mais, e por esta ordem, pelos seus accionistas, seguidos dos credores e dos grandes depositantes, podendo os Estados intervir apenas se todos estes passos falharem.

A nova coligação impõe igualmente que só na eventualidade de esta hierarquia de responsabilidades não ser suficiente é que o mecanismo de socorro do euro (ESM na sigla inglesa) poderá ser utilizado para recapitalizar directamente os bancos (embora num montante total máximo de 60.000 milhões de euros e mediante a aprovação expressa do Bundestag).

Esta posição corresponde sem tirar nem pôr à tese que o anterior Governo tem vindo a impor aos parceiros e que retoma a regra da utilização dos fundos europeus apenas em "último recurso", assumida por Berlim ao longo de toda a crise do euro.

O SPD também aceitou a ideia de Merkel de impor um novo tipo de "acordos contratuais" vinculativos entre cada país do euro e a Comissão Europeia, explicitando as reformas económicas consideradas necessárias para reforçar a competitividade do conjunto da zona, eventualmente apoiados por algum tipo de incentivo financeiro.

Este é outro tema de discórdia entre os Governos europeus agendado para a cimeira de Dezembro. Franceses, italianos e espanhóis estão a bater-se pela criação de um orçamento específico para a zona euro, separado do orçamento da UE, para ajudar os países em dificuldades, eventualmente por via de emissão de dívida. Berlim poderá em contrapartida aceitar, no máximo, a concessão de empréstimos a baixo custo para ajudar os Estados a financiar as reformas.

Centristas e sociais-democratas assumiram por outro lado o compromisso de se baterem pela instituição de uma taxa sobre as transacções financeiras à escala europeia, embora as probabilidades de acordo sejam por enquanto consideradas muito estreitas.
 
 
 

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