Governos tentam travar a atracção global pela jihad

No Iraque e na Síria tenta-se derrotar o Estado Islâmico com bombas, mas o recrutamento de três mil europeus pelos jihadistas começa agora a preocupar.

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Um dos grandes receios é o potencial regresso dos jovens radicalizados aos seus países com o intuito de cometerem atentados REUTERS

Do Estado Islâmico (EI) diz-se que utiliza métodos medievais na forma como executa os seus prisioneiros e que tem o objectivo de restaurar um império que dominou o Médio Oriente e a bacia do Mediterrâneo há mais de 1200 anos. Mas os seus métodos são do mais contemporâneo que existe, sobretudo ao nível do recrutamento, deixando as capitais ocidentais desorientadas e com poucas ideias sobre como lidar com a sua ameaça.

De acordo com uma nova estimativa, conhecida nos últimos dias, são mais de três mil os cidadãos com passaporte europeu que integraram as fileiras do EI na Síria e no Iraque. O número, avançado pelo responsável europeu para a luta antiterrorista, Gilles de Kerchove, deixou em alerta a União Europeia (UE), que se vê obrigada a agir rapidamente para travar o aumento desta estatística.

Em cima da mesa está, de acordo com o El País, a intensificação do controlo dos passaportes europeus de quem pretenda entrar ou sair do Espaço Schengen. Outra das propostas é a criação de uma base de dados europeia de passageiros com voos destinados à UE, e vice-versa, algo que já foi chumbado em Abril do ano passado pelo Parlamento Europeu. Em causa estava, na altura, a protecção da privacidade dos cidadãos europeus.

O panorama mudou, desde então. A pressão dos principais Estados-membros é cada vez maior, em consonância com a inquietação causada pelos relatos de estrangeiros que se juntam à jihad do EI. Países como o Reino Unido, a França, a Alemanha ou a Bélgica – de onde é proveniente o maior número de europeus do EI – já têm em curso planos para aumentar a vigilância e o controlo das suas fronteiras.

No final de Agosto, o Reino Unido elevou o nível de ameaça terrorista de "substancial" para "sério", face às notícias de que cerca de 500 britânicos tinham viajado para a Síria e para o Iraque para se juntarem ao EI. Uma das medidas entretanto aprovadas foi uma lei que irá retirar a cidadania britânica a todos os suspeitos de terrorismo. A França – que terá cerca de 900 cidadãos a lutar ao lado dos jihadistas – concedeu mais poderes às forças policiais para confiscarem documentos de identificação a suspeitos.

Fora da Europa, vários governos seguem o mesmo caminho. O caso mais extremo é o da Austrália, cujo executivo quer fazer aprovar um decreto que declare certas regiões proibitivas, criminalizando as viagens de cidadãos australianos para lá, sem que se tenha de provar qualquer intenção relacionada com o terrorismo.

Todos estes esforços ganharam vigor esta semana, com a resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU que prevê a transposição legal de medidas que intensifiquem o controlo fronteiriço e apela à cooperação e partilha entre países de informações relativas a listas de passageiros.

Um dos grandes receios é o potencial regresso dos jovens radicalizados aos seus países com o intuito de cometerem atentados terroristas. O responsável europeu para a luta antiterrorista, Gilles de Kerchove, afastou o cenário de um ataque de grande magnitude, falando antes do perigo dos "lobos solitários", aludindo à hipótese de atentados perpetrados por indivíduos isolados. "Um lobo solitário com uma Kalashnikov pode causar muitos estragos", disse o responsável.

Barbárie profissional
Para além dos esforços desenvolvidos pelas vias clássicas – controlos fronteiriços e legislação apertada –, há a convicção de que para neutralizar a estratégia de recrutamento de uma organização como o Estado Islâmico (considerada única por diversos analistas) há que recorrer a meios alternativos.

Desde que emergiram as primeiras imagens das execuções de reféns ocidentais, começaram a ser notórios alguns traços que permitem caracterizar o EI como "uma empresa altamente eficiente". A expressão é do filósofo John Gray, numa análise para a BBC em que defende que "a barbárie do ISIS [outra das siglas usadas para descrever o EI] não é impulsiva". "Tudo leva a crer que se trata de uma estratégia desenvolvida ao longo de vários anos", escreve Gray.

Crucial para essa barbárie profissionalizada é a imagem pública que o EI consegue fazer passar, não só para o exterior, mas também para os seus potenciais seguidores. Aos vídeos como o da decapitação do jornalista norte-americano James Foley – filmado com uma câmara HD e com uma edição considerada profissional – junta-se, por exemplo, a revista Dabiq, publicada em inglês e disponível online, que se destina a cativar jovens em todo o mundo.

"É uma consideração trágica, mas parece que [no EI] aprenderam que tipo de relações públicas resultaram para que ganhassem atenção e consciencialização para a sua recruta", disse ao International Business Times Shane Shook, um especialista em cibersegurança.

Esta nova forma de comunicação é bastante diferente da de outros grupos terroristas, como a Al-Qaeda da década passada ou o Hezbollah, que privilegiavam canais comuns e mensagens pouco elaboradas. Lina Khatib, especialista para o Médio Oriente do Centro Carnegie, escreveu recentemente que "a propaganda do EI é basicamente um produto do seu tempo".

Os Estados Unidos também entraram nesta "guerra", com o objectivo de apelar ao mesmo público-alvo, utilizando mecanismos semelhantes. Em Dezembro do ano passado, o Departamento de Estado lançou uma campanha intitulada Think Again Turn Away ("Pensa outra vez, volta atrás"). Através do Twitter são apresentadas notícias sobre as acções terroristas do EI, ao mesmo tempo que também dá conta de abusos dos direitos humanos cometidos em nome do fundamentalismo islâmico.

No entanto, a campanha tem sido criticada por entrar, em diversas ocasiões, em diálogo directo com utilizadores afectos ao EI. "Não há nada que estas pessoas gostem mais do que ver o governo norte-americano a reconhecê-los e a interagir com eles online. Eles viram-se para os seus seguidores e dizem 'Vêem? Somos mesmo poderosos e o governo norte-americano é a prova disso'", disse ao The Guardian Shahed Amanullah, antigo funcionário do Departamento de Estado norte-americano.

Outra campanha que tem ganhado visibilidade tem sido feita por muçulmanos um pouco por todo o mundo, que publicam vídeos e fotos com a mensagem Not in my name ("Não em meu nome"). Em apenas sete dias, a campanha chegou às 14 mil partilhas no Twitter. O objectivo é tentar desassociar os objectivos do EI dos preceitos do Islão, que diz defender – um passo crucial para conter o recrutamento, segundo alguns analistas.

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