Governo francês acusado de manipular relatório da polícia de Nice

Chefe do serviço de videovigilância diz ter sido pressionada a incluir presença de elementos da polícia nacional no Passeio dos Ingleses, apesar de assegurar não os ter visto.

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Centro dos serviços de vídeo-vigilância de Nice Jean Christophe Magnenet / AFP

Uma responsável pela polícia de Nice acusou o Governo francês de a pressionar para mudar o relatório sobre a noite do atentado de 14 de Julho. O ministro do Interior diz que vai apresentar queixa por difamação contra a agente.

Sandra Bertin estava encarregada de monitorizar as câmaras de vigilância durante as comemorações do Dia da Bastilha em Nice, quando um homem que conduzia um camião frigorífico avançou durante dois quilómetros no Passeio dos Ingleses. Morreram 84 pessoas e mais de 300 tiveram de ser hospitalizadas.

Quando se preparava para escrever o relatório sobre os acontecimentos daquela noite, Bertin disse ter recebido instruções para incluir a presença dos elementos da polícia nacional na avenida marginal antes do ataque. O problema, contou a chefe do Centro de Vigilância Urbana de Nice ao Journal du Dimanche, é que ela não viu qualquer unidade da polícia no local.

Bertin diz ter-lhe sido pedido um “relatório assinalando os pontos de presença da polícia municipal, as barreiras, e sublinhar que se via igualmente a polícia nacional em dois pontos do dispositivo de segurança”. “A polícia até pode ter estado lá, mas não apareceu nos vídeos”, afirmou a agente policial ao semanário.

Bertin, que é também dirigente sindical, acusou ainda o Ministério do Interior de a ter pressionado a incluir os agentes da polícia nacional na sua descrição. “Fui assediada durante uma hora, mandaram acrescentar posições específicas da polícia nacional que eu não vi no ecrã”, afirmou. A agente acabou por enviar duas versões do relatório, “uma não modificável e outra modificável”.

O ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, respondeu de imediato às acusações, que considerou “indignas”. Segundo o ministro, fazem parte das “polémicas virulentas que certos eleitos de Nice desejaram manter, e depois alimentar, todos os dias desde o terrível atentado de 14 de Julho”. No mesmo comunicado, Cazeneuve diz que vai apresentar uma queixa por difamação contra Bertin.

“Será muito útil que a senhora Sandra Bertin seja ouvida pelos investigadores e possa revelar-lhes as identidades e as funções das pessoas que ela põe em causa e os e-mails que ela evoca, assim como o seu conteúdo”, acrescenta o ministro. Na semana passada, as autoridades locais de Nice recusaram o pedido dos serviços secretos para destruírem as gravações das câmaras de segurança — para impedir a "disseminação descontrolada" dessas imagens.

A resposta das forças de segurança ao ataque de Nice tem sido alvo de intenso debate em França, com a oposição ao Governo socialista a considerar que devia ter sido feito mais para impedir o atentado. O partido de extrema-direita Frente Nacional — que há muito defende maiores gastos com a segurança pública — pediu a demissão do ministro, considerando as declarações de Bertin “avassaladoras”.

Cazeneuve pediu esta semana a abertura de um inquérito à actuação da polícia durante o ataque. O Governo diz que foram destacados 64 membros da polícia nacional para Nice durante o Dia da Bastilha, mas o presidente da área metropolitana, Christian Estrosi, tem insistido que apenas a polícia municipal foi enviada para pontos estratégicos.

As várias polícias francesas têm estado sob intensa pressão nos últimos tempos. O estado de emergência que está em vigor desde os ataques de Paris de 13 de Novembro implica destacamentos consideráveis em vários pontos do país. Para além disso, várias cidades francesas foram palco de violentas manifestações contra a lei do trabalho desde o início do ano e o campeonato europeu de futebol motivou igualmente uma forte vigilância policial

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