Governo egípcio pondera ilegalizar a Irmandade Muçulmana

Forças de segurança anunciam ter recuperado controlo de mesquita do Cairo onde estavam entrincheirados apoiantes da Irmandade

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Apoiantes do Exército concentram-se à porta de mesquita onde os manifestantes se entrincheiraram Louafi Larb/Reuters

O governo interino do Egipto anunciou que está a ponderar a ilegalização da Irmandade Muçulmana – uma decisão que, a ser tomada, abrirá caminho ao esmagamento daquele que era até agora o maior e mais bem organizado movimento do país, com consequências imprevisíveis.

Neste sábado, os olhares estiveram durante várias horas concentrados na mesquita al-Fath, que na sexta-feira servira de morgue e hospital de campanha para as vítimas dos confrontos na praça Ramsés, epicentro da violência numa “Sexta-feira de Raiva” que, só no Cairo, terminou com 95 mortos. Centenas de manifestantes passaram ali a noite e recusavam-se a sair sem terem garantias de que não seriam atacados.

Polícias chegaram a entrar na mesquita para negociar a saída das mulheres e crianças, mas o impasse acabou por resolver-se a tiro. Reagindo ao que dizem ter sido disparos efectuados a partir do minarete da mesquita, as forças de segurança entraram no recinto e, após mais de duas horas de tiroteio com homens armados entrincheirados no edifício, davam o incidente por resolvido. 

Não foram reveladas informações sobre mortos, mas já ao final da tarde a violência voltava a despontar, desta vez em Alexandria onde um edifício da Irmandade terá sido incendiado.Segundo o último balanço do Ministério da Saúde egípcio, os confrontos de sexta-feira entre islamistas, de um lado, e as forças de segurança e os apoiantes do golpe militar de 3 de Julho, do outro, fizeram 173 mortos, dos quais 95 só no Cairo, entre os quais um dos filhos do líder da Irmandade, Mohamed Badie. Há também registo de mais de 1300 feridos.

A Irmandade Muçulmana, que recusa abandonar as ruas até que o Presidente deposto Mohamed Morsi seja reconduzido, acusa as forças de segurança de abrirem fogo indiscriminadamente contra os seus apoiantes. O governo interino, tutelado pelos militares, afirma, por seu lado, que os apoiantes do Presidente deposto Mohamed Morsi pegaram em armas contra as forças de segurança e, num comunicado divulgado já neste sábado, o Ministério do Interior revelou que mais de mil pessoas foram detidas sexta-feira em todo o país.

Vários dos dirigentes da Irmandade foram acusados de "incitação à violência" e a imprensa pró-governamental refere-se aos manifestantes como "terroristas". Uma versão dos acontecimentos que ajudará a justificar a anunciada intenção de ilegalização do movimento.

“O assunto está actualmente a ser estudado”, revelou o porta-voz do executivo, acrescentando que a proposta para a “dissolução legal” da Irmandade terá sido apresentada pelo primeiro-ministro Hazem el-Beblawi ao ministro dos Assuntos Sociais, a entidade responsável pela concessão de licenças às organizações não-governamentais.

Fundada em 1928, a Irmandade foi ilegalizada na década de 1950. Apesar de perseguida, o regime militar nunca impediu que ela mantivesse as suas funções sociais. Quando Hosni Mubarak foi derrubado, na revolução de 2011, a Irmandade era o movimento mais implantado no Egipto. O partido que criou para concorrer às primeiras eleições democráticas no país acabou, por isso, por dominar o Parlamento e o seu candidato às presidenciais, Mohamed Morsi, foi eleito sem dificuldade.

O seu governo nunca conseguiu, porém, afastar as suspeitas de que pretendia criar um regime islâmico e várias decisões tomadas por Morsi, como o decreto (mais tarde anulado) que lhe conferia poderes reforçados, levaram a oposição secular a acusar o Presidente de autoritarismo. Após gigantescas manifestações, no final de Junho, o Exército acabou por depor Morsi, em nome da "unidade nacional", nomeando um governo interino para executar um plano de transição que, face à violência dos último dias, parece agora definitivamente afastado.

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