Chefe do governo de Hong Kong negoceia mas não se demite

Manifestantes e executivo evitam a violência nas ruas, mas o motivo da contestação —a decisão de Pequim escolher os candidatos nas eleições de 2017 —mantém-se.

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Segurança reforçada junto à sede do governo de Hong Kong Carlos Barria/Reuters

Em Hong Kong evitou-se o confronto, que estava iminente, entre os manifestantes pró-democracia e as forças do governo local. Às primeiras horas de sexta-feira, as duas partes aceitaram encontrar-se, mas havia uma dose de cautela igual à do optimismo.

Ao longo desta quinta-feira, a sucessão de acontecimentos foi dramática e fez prever o pior. Os manifestantes tinham dado até às 23h30 para o chefe do governo deste território chinês, CY Leung, se demitir, por ter ordenado o uso de gás lacrimogéneo e gás pimenta contra os que participaram nos protestos frente à sede do executivo na sexta-feira da semana passada. Ameaçavam invadir os edifícios, para onde foi mobilizado um forte dispositivo policial com os agentes munidos de balas de borracha, conforme publicou o jornal de Hong Kong South China Morning Post, que publicou fotografias dos contentores destas munições.

Leung marcou exactamente para as 23h30 (menos sete horas em Portugal continental) uma conferência de imprensa em que designou uma alta funcionária da sua equipa, Carrie Lam, para iniciar conversações com um dos grupos que lidera a contestação, a Federação de Estudantes. Mas avisou que não se demite.

A iniciativa de dialogar partiu, aliás, dos estudantes, que ao aproximar-se o prazo que deram a Leung publicaram uma carta aberta, dirigida a Lam, propondo um encontro público e com um único ponto na agenda: a lei eleitoral.

No centro do conflito que dura desde Agosto mas se agudizou na semana passada, está a eleição do próximo chefe do governo deste território chinês, em 2017 — será por sufrágio universal, conforme foi definido quando Hong Kong deixou de ser uma colónia britânica para se tornar parte da China, mas Pequim decidiu que escolherá os candidatos. As organizações pró-democracia não aceitam esta limitação e exigem “democracia plena no processo eleitoral”.

“Esta noite, a federação de Estudantes emitiu uma carta aberta a pedir um encontro [...) para discutir um tema — os desenvolvimentos constitucionais em Hong Kong. Estudámos a carta detalhadamente, e designo a primeira secretária [do executivo] para participar no encontro com os estudantes”, disse Leung.

Os protestos são liderados por outras duas organizações, o movimento pró-democracia Occupy Central — que promoveu a campanha de desobediência civil em curso — e o grupo Scholarism, formado sobretudo por alunos do ensino secundário. O Occupy fez saber que via com optimismo a iniciativa da Federação de Estudantes. Espera agora para ver os resultados, sendo que no fim da conferência de imprensa não ficou claro quando se realizará a reunião.

Parte das reservas dos líderes dos protestos prendem-se com palavras também proferidas pelo chefe do governo quando falou com os jornalistas, sabendo-se que a margem de autonomia de Leung é relativa e que as suas directivas vêem de Pequim: qualquer tentativa dos manifestantes para se aproximarem dos edifícios do governo terão “muito sérias consequências”. Mais reservas: Leung disse que vai continuar a “trabalhar na reforma eleitoral de Hong Kong” e insistiu que “qualquer diálogo tem que ser baseado na Lei Básica e no âmbito do Congresso Nacional Popular”. Ou seja, da parte das autoridades de Hong Kong há disponibilidade para o diálogo mas não para fazer as cedências exigidas na rua.

A seguir, prometeu que a polícia “vai tratar os protestos dos estudantes com a maior tolerância”.

Não parecendo, o governo da região fez uma cedência — não dispersar, pela força, os protestos. De manhã, parecia ter sido essa a ordem de Pequim, dada perante a escalada da contestação.

Na quarta-feira, e segundo disseram fontes governamentais ao Wall Street Journal, Pequim mandara Leung parar com a acção policial e jogar com o tempo, apostando no enfraquecimento progressivo dos protestos, até à sua diluição. O ultimato dos manifestantes, o pedido de demissão do chefe do governo e a promessa de ocupação dos edifícios terá feito Pequim repensar a sua estratégia. E CY Leung recebeu um inequívoco apoio do Governo central. No editorial de quinta-feira do Diário do Povo, o órgão oficial do Partido Comunista Chinês, lê-se que o chefe do governo de Hong Kong estava a tomar as decisões mais correctas para gerir a crise.

“Durante muitos anos Hong Kong usufruiu da paz e da harmonia. Agora apareceu este caos embaraçoso e na origem dele está um punhado de pessoas que desrespeitam a lei”, diz o editorial do Diário do Povo, que surge também na edição em inglês, e onde as manifestações de Hong Kong são consideradas ilegais. “O caos está a negar a prosperidade aos residentes de Hong Kong, vai contra os seus desejos e não é o que o povo chinês deseja ver nem o que podemos tolerar”, diz o editorial.

Leung acirrara os ânimos ao dar ordem aos funcionários públicos para, na sexta-feira, regressarem ao trabalho — estes ficaram em casa durante os dois feriados que celebram o nascimento da república Popular da China, a 1 de Outubro de 1949. Na prática, estes não conseguiriam fazê-lo, porque parte da cidade está bloqueada pelos manifestantes, que mantém ocupadas quatro zonas: o bairro financeiro, Mong Kok, Causeway Bay e Canton Road. “Cerca de três mil funcionários públicos vão tentar, amanhã [sexta-feira] chegar aos seus trabalhos. A sede do governo tem que voltar a estar operacional”, lia-se num comunicado do governo do território. O chefe da polícia, Steve Hui, também emitiu um comunicado voltando a dizer que a polícia vai agir “de acordo com a lei” se os funcionários não puderem aceder aos seus locais de trabalho.

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