Fugir para Israel por causa dos problemas na Europa “seria trágico”

Haïm Korsia, líder religioso da maior comunidade judaica da Europa, considera que o islão “tem os meios de se adaptar à laicidade”.

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Haïm Korsia, o grande rabino de França: A laicidade não pode tornar-se uma nova religião, negando o facto religioso Eric Thayer/REUTERS

O grande rabino de França considera que “seria trágico” os judeus da Europa emigrarem para Israel para fugir aos problemas. “Se alguém, espiritualmente, serenamente, livremente, escolhe o aliyah [emigração de judeus da diáspora para Israel], é formidável. Mas isso não pode ser uma fuga, seria trágico”, afirma, Haïm Korsia, a propósito dos atentados anti-semitas das últimas semanas na Europa.

“O islão também tem os meios de se adaptar à laicidade. Uma oração pela República – como a que é recitada nas nossas sinagogas – pode ser elaborada no islão francês”, diz também, numa entrevista em que se pronuncia igualmente sobre a recente profanação de sepulturas judaicas.

Depois dos atentados de Paris e Copenhaga, que visaram judeus, os comentadores falaram em fracturas entre cidadãos nas sociedades europeias. É essa a sua análise?
Recusámos durante muito tempo chegar a essa conclusão. A manifestação de 11 de Janeiro [em Paris, após os ataques ao Charlie Hebdo e ao supermercado judaico] foi um momento grandioso de unidade e de fraternidade, que convidou cada um a não continuar a negar a evidência. Viver em conjunto não deve ser um mantra mas uma capacidade de viver solidariedades concretas, afastando as falsas projecções que temos sobre o outro. Acabo de vir do Memorial do 11 de Setembro em Nova Iorque, símbolo da capacidade de uma sociedade democrática para recuperar quando é atingida no seu seio – como nós acabamos de ser. Há nos nos Estados Unidos uma cultura de resiliência de que vi as vantagens.

Desde os atentados, toda a gente em França quer promover a laicidade. Mas qual?
Não há ‘mas’. A laicidade é a laicidade: a neutralidade do Estado, a liberdade de prática religiosa na medida em que não afecte os outros princípios republicanos. A laicidade não pode tornar-se uma nova religião, negando o facto religioso, caso contrário vamos criar duas sociedades quando procuramos gerar unidade. Não somos uma sociedade monolítica, mas uma comunidade de cidadãos com os seus pontos de vista espirituais ou filosóficos, que têm a mesma esperança: a França. Não é um país onde  somos felizes, é um país onde queremos ser felizes. O islão também tem os meios de se adaptar à laicidade. Uma oração pela República – como a que é recitada nas nossas sinagogas – pode ser elaborada no islão francês.

Como responde, enquanto rabino, no diálogo com os judeus, a este anti-semitismo que ressurge?
Mergulhando na mensagem bíblica. Nunca o judaísmo defendeu outra coisa que não a esperança. Apoiemo-nos na esperança dos antigos: eles aprenderam, à custa do terrível preço do sangue, a detectar as mais ínfimas vibrações da sociedade. O Estado precisou de tempo para as entender, mas no presente a vontade política de lutar contra esses males é incontestável. O passo seguinte é o envolvimento dos cidadãos. Que cada um seja o guardião do seu irmão, sendo vigilante. Ganharemos em eficiência o que perdemos em inocência.

A profanação do cemitério judeu de Sarre-Union, no Leste de França, descoberta há uma semana, é um sinal de perda do sentido de humanidade?
Alguns disseram que a falta de cultura levaria à barbárie: é aí que estamos. Esta violência contra as sepulturas é a negação do humano mesmo após a sua morte. E não me venham dizer que esses adolescentes não sabiam o que estavam a fazer: sabiam muito bem, isso toca o interdito. Obviamente ninguém os ensinou a respeitar os mortos ; como pedir então que respeitem os vivos ?

Nós próprios, judeus, dissemos que esta profanação foi terrível porque foi enorme. Mas quantas em quantas sepulturas profanadas fixaremos o limite do aceitável ? Uma sepultura profanada, uma cuspidela na rua à passagem de um judeu é inadmissível. Nos EUA, chama-se a isso a teoria da broken window: depois de partido um vidro a destruição não pára.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, multiplica os apelos aos judeus da Europa para que emigrem para Israel. Sentimos que os responsáveis das comunidades querem responder : ‘Fiquemos na Europa, a nossa vida é aqui’.
Sempre o dissemos. Os judeus de França são parte da história francesa, mantêm as tradições de um judaísmo duas vezes milenar. Rachi [figura de referência do judaísmo], que permitiu aos judeus do mundo inteiro compreender a Tora e o Talmude, viveu há mais de 900 anos em Troyes [Leste de França]. Devemos ter essa genialidade combinada de França com o judaísmo. Se alguém, espiritualmente, serenamente, livremente, escolhe o aliyah [emigração de judeus da diáspora para Israel],  é formidável. Mas isso não pode ser uma fuga, seria trágico. É preciso [descobrirmos] de novo o encanto pela possibilidade de viver em França, na Europa.”

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