Frenesim nas últimas horas de negociações sobre nuclear iraniano

Se iria ou não haver acordo antes do prazo era impossível saber. Certo é que qualquer acordo é histórico.

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John Kerry nas negociações: para os EUA,é uma oportunidade de recomeçar uma relação com o Irão Brendan Smialowski/REUTERS

Uma maratona de reuniões a acabar à noite e a recomeçar de manhã, técnicos em salas de reunião a discutir detalhes madrugada adentro, responsáveis da política estrangeira de vários países fechados num hotel na Suíça desde o fim-de-semana. Nesta terça-feira ainda não era claro o que iria produzir todo este frenesim de última hora no dia final do prazo, auto-imposto, para chegar a um acordo sobre o nuclear iraniano: um acordo histórico, um quadro de entendimento, uma declaração vaga?

As conversações continuavam e era impossível saber se haveria um acordo até à meia-noite, embora este parecesse improvável. As apostas iam para um tipo de solução que não fosse o de os diplomatas reconhecerem a derrota e saírem da Suíça de mãos vazias. Mesmo que fosse o de um adiamento de uns dias, durante a Páscoa, com uma reunião logo a seguir.

Ao final da tarde, o negociador iraniano Hamid Baiedinejad disse que “ficariam o tempo que fosse preciso”, enquanto o porta-voz da Casa Branca punha a hipótese de “continuar estas conversações amanhã [quarta-feira], se necessário”.

Tudo era discutido. Parecia ser tão importante o género de anúncio a ser feito como as difíceis questões técnicas ainda em discussão: os Estados Unidos, por exemplo, gostavam de ter um anúncio tão pormenorizado quanto possível, para que o Congresso, que se reúne a 14 de Abril com o Irão na agenda, possa ser aplacado (os republicanos, que têm a maioria, já avisaram que querem mais sanções, caso não haja acordo para evitar que o programa nuclear iraniano avance de modo a que poder desenvolver facilmente uma arma atómica). O Irão, por outro lado, deseja um acordo tão vago quanto possível, igualmente para consumo doméstico.

Há ainda um problema com o formato: um acordo de princípio agora, que deixe questões técnicas para afinar daqui até Junho (o verdadeiro prazo, já que aí acaba o actual acordo interino), pode acabar ainda em desacordo, e o Irão tem particulares razões para não querer que isto aconteça, diz Trita Parsi, presidente do grupo National Iranian American Council, com sede em Washington. Lembra que, em 2009, após um acordo de princípio entre os dois lados, não houve entendimento quanto aos pormenores, o que foi visto como um recuo do Irão – algo que a República Islâmica não quer que se repita desta vez.

Até agora, diplomatas têm hesitado em discutir detalhes já acordados, porque “não há acordo sobre nada até haver acordo sobre tudo” – como dizia um responsável sob anonimato ao diário britânico The Guardian.

“É como movimentar peças de um puzzle”, comentou a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Marie Harf. “Temos de encontrar a combinação certa.”

A questão-chave parecia ser: quantas restrições admitirá o Irão ao seu programa, quão rapidamente poderão ser levantadas as sanções?, resumia o Guardian. No equilíbrio entre as duas estará a solução. Será agora que se deverá ver se a anunciada oposição do Irão a um acordo que não levante imediatamente as sanções é uma arma negocial ou uma linha vermelha.

Isto seria muito difícil de aceitar pelos EUA, que querem um levantamento gradual, à medida que a boa vontade e o cumprimento do acordado seja demonstrado pelo Irão. A decisão sobre esta questão será (ou já foi) tomada em Teerão, pelo ayatollah Ali Khamenei, que tem insistido no levantamento imediato. O negociador iraniano referiu-se a esta questão de forma enigmática: “A questão das sanções está resolvida, mas ainda estão em cima da mesa questões relacionadas com as sanções”. 

De 100 para três ou quatro
É difícil exagerar a importância das negociações e quão perto se poderia estar de um entendimento, quer ele aconteça, falhe, ou seja adiado: “Quando os dois lados começaram tinham mais de 100 diferenças. Agora, apenas parecem manter-se três ou quatro”, comentava ainda Trita Parsi. O programa nuclear iraniano, descoberto em 2002, tem sido alvo de conversações on e off durante os últimos 12 anos.

Jornalistas e analistas procuravam indícios em declarações e movimentações em Lausanne. O facto de os líderes estrangeiros continuarem na Suíça era um sinal positivo – dificilmente se concentrariam responsáveis dos Negócios Estrangeiros do Irão, EUA, Reino Unido, França, Rússia e China durante tantos dias, se não houvesse expectativa de um acordo (a excepção foi Serguei Lavrov, que ainda foi a Moscovo, mas logo regressou).

O anúncio de que estava a ser aumentada a segurança na ONU em Genebra, tida como um local possível para o anúncio (a História ainda importa e Lausanne é o local onde foi assinado o acordo de 1923 que marcou o fim do Império Otomano e nunca foi ratificado pelo Congresso dos EUA, sublinha a BBC), provocou muita especulação.

Sabe-se ainda que os ministros mantiveram reuniões até à noite, mas quem sofreu foram os responsáveis das equipas técnicas que martelaram detalhes madrugada dentro e dormiram, segundo os relatos dos jornalistas, cerca de uma hora – mais uma indicação de que se estava a jogar tudo por tudo.

De inimigos a rivais?
Todos têm vantagens num acordo, mas para que este aconteça todos vão ter de ceder em aspectos que antes disseram que não cederiam.

“Desde a II Guerra Mundial, não há precedentes de a diplomacia multilateral resolver uma questão complexa de um modo que não uma vitória completa de uma das partes sem disparar uma bala”, comentou Ali Vaez, analista especialista em Irão do International Crisis Group, à BBC.

Apesar do que se discute serem centrifugadoras e prazos de investigação nuclear, os dividendos vão muito para lá disso. O dividendo político “será o que os actores fizerem dele”, sublinha Vaez. 

Claro que um entendimento não quer dizer que Irão e Ocidente (ou os EUA) sejam aliados, sublinha o analista Reza Marashi. “Mas passarão de inimigos a rivais, com a possibilidade de resolver questões através de diplomatas.”

“Desde 1812, a interacção do Irão com os poderes mundiais tem sigo largamente de derrotas continuadas. Esta poderá ser a primeira vez em 200 anos que, sem uma guerra, o Irão sairia de um conflito sem perder”, sublinha Parsi.

Para os EUA, é uma oportunidade de recomeçar uma relação com um país que foi interrompida com a crise dos reféns de 1979 e com o qual é necessário algum entendimento sobre conflitos no Médio Oriente (por exemplo, no Iraque com o inimigo comum, o autoproclamado Estado Islâmico). Seria ainda uma oportunidade para um raro sucesso na frente internacional da Administração Obama.

Para França e Reino Unido, há o interesse partilhado com os EUA de ter um interlocutor na região (para Paris é sobretudo importante provar que o acordo impedirá mesmo o Irão de chegar a uma arma, posição em que tem sido mais duro até do que os EUA, segundo analistas) e há oportunidades de negócio a aproveitar. Rússia e China vêm também vantagens económicas. 
 

   

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