"Políticos medrosos conduzem a um crescimento da extrema-direita"

O vice-presidente da Comissão Europeia, que está em Lisboa terça-feira, defende a estratégia europeia para as migrações, depois de vários líderes terem rejeitado as propostas europeias. "Precisamos de ser um pouco mais duros com alguns países terceiros que se recusam a receber de volta os seus cidadãos."

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Frans Timmermans – o vice-presidente da CE está em Lisboa esta terça-feira EMMANUEL DUNAND/AFP

Frans Timmermans garante que a melhor maneira de combater a subida do eurocepticismo e de partidos extremistas na Europa é "ter soluções". O primeiro vice-presidente da Comissão Europeia (CE) desloca-se terça-feira a Portugal, devendo encontrar-se com o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, para apresentar as últimas iniciativas propostas pela Comissão para fazer face aos desafios actuais que a Europa enfrenta.

Na semana passada, Timmermans lançou o pacote Legislar Melhor (Better regulation), com o objectivo de desburocratizar a vida das pequenas e médias empresas (PME) e dos cidadãos, tornando a legislação europeia mais transparente e eficiente. Mais controversa tem sido a "agenda europeia para as migrações", que pretende fazer face à situação dramática que se vive nas fronteiras da Europa: não têm faltado declarações de governos europeus hostis às propostas, e sobretudo às quotas de refugiados avançadas pela Comissão. Reticências que o comissário diz perceber, mas insiste: "A redistribuição terá de ser parte da solução."

O que traz de novo o programa Legislar Melhor no processo legislativo comunitário?
Em primeiro lugar cria mais transparência, porque todas as nossas propostas serão agora colocadas no domínio público. Em segundo lugar, abrimos a possibilidade de uma participação muito mais elevada da parte de todos os que têm interesse em seguir as nossas propostas, e eles terão a possibilidade de partilhar as suas opiniões e sugestões. Por fim, e isto é extremamente importante, queremos introduzir estudos de impacte que sejam avaliados por pessoas externas à Comissão Europeia, que serão especialistas em análise de impacto de propostas legislativas. Não se trata de rever o objectivo político de uma medida, mas sim de garantir que as decisões são tomadas com bases sólidas. O objectivo é reduzir os encargos administrativos para as PME e os cidadãos. É para eles que estamos a fazer este trabalho.

Na sua campanha para as eleições europeias, Jean-Claude Juncker falou em ter "uma UE maior e mais ambiciosa nas grandes causas, e mais pequena nas de menor importância". Esta racionalização da acção pode ser uma resposta aos eurocépticos que se fazem cada vez mais ouvir em vários Estados-membros?
Não sou ingénuo, o pacote Legislar Melhor não será por si só a única resposta aos desafios colocados pelos eurocépticos, mas faz parte das respostas, e acredito sinceramente que precisamos mesmo de melhorar a qualidade dos nossos trabalhos. Se recuarmos cinco ou dez anos, constatamos que o apoio das PME ao projecto europeu era ainda bastante forte. Todavia, hoje algumas das críticas mais duras vêm justamente das PME. E se nos interrogarmos sobre o porquê, a resposta é clara: mais de 70% dos cidadãos europeus julgam que a burocracia da UE é demasiado pesada.

Mas muitos dos encargos administrativos provêm da legislação nacional…
Para os empresários é irrelevante se vem de Bruxelas ou se é nacional. Também por isso vamos criar a plataforma em linha Refit, com representantes dos Estados-membros, das empresas, dos sindicatos ou de ONG, para clarificar quem é responsável por quê. Eu estou pronto a aceitar as críticas contra as regras e propostas europeias, desde que sejam realmente europeias. Por outro lado há o problema do gold-plating, ou seja, Estados-membros que colocam ainda mais entraves administrativos do que o exigido por uma directiva europeia quando a transpõem. Sei que é um problema, por exemplo, em Portugal. Aliás, conversei bastante sobre isso com um colega que me tem apoiado muito neste projecto, o comissário Carlos Moedas.

Há apenas uma semana, a Comissão apresentou uma agenda europeia para as migrações. Há vontade política para ter uma UE mais activa nessa área tradicionalmente reservada aos governos nacionais?
Esta é uma Comissão Europeia política. Depois das tragédias no Mediterrâneo, vimos o Conselho Europeu fazer um minuto de silêncio e um apelo à acção, e os líderes europeus pediram propostas concretas à CE. Nós respondemos a esse apelo. A análise do problema não é extremamente difícil. Mas as respostas, mesmo que individualmente não sejam muito complicadas, têm no seu conjunto múltiplas consequências humanitárias, económicas e diplomáticas. Por isso precisamos de uma estratégia completa. Claro que sabíamos, antes de lançar a proposta, que haveria reticências, mas se estamos a falar a sério quando dizemos que queremos evitar que mais pessoas morram no Mediterrâneo, é preciso encontrar as respostas. Foi o que fez a Comissão.

A proposta de redistribuir requerentes de asilo através de um sistema de quotas parece ter sido particularmente mal acolhida. Como reage às reacções que têm surgido, por exemplo, em França, contra as quotas de refugiados?
A redistribuição terá de ser parte da solução, senão não haverá solução. Se há Estados-membros que não querem resolver o problema, por razões políticas ou outras, não resolveremos o problema. Mas há também muitos mal-entendidos, em França sobretudo. A CE não está a propor uma quota de imigrantes. Trata-se de uma proposta para uma fórmula de redistribuição, em casos excepcionais, o que é totalmente diferente. E penso que sobre este ponto não há desacordo entre a Comissão e a França.

Espanha pediu que a taxa de desemprego tenha um coeficiente maior no cálculo para as quotas, a Comissão pretende rever a fórmula de redistribuição apresentada na agenda?
Vi crítica de muitos países, mas por enquanto não há nenhuma razão para rever a nossa proposta, que me parece equilibrada e equitativa.

O Governo português diz que aguarda a proposta da CE para tomar a sua posição sobre a redistribuição. Pretende anunciar já alguns elementos da proposta a Passos Coelho em Lisboa?
Vou encontrar-me com ele na terça-feira, e a Comissão só tomará a sua decisão na quarta; por isso, não sei ainda se nessa altura estarei em posição de adiantar o que vamos decidir. Em geral, pretendo explicar-lhe o sistema que temos em mente. Devo dizer que estou muito contente com a reacção que tivemos até agora de Lisboa sobre este tema, que me parece responsável e razoável.

Sente que há uma confusão no debate político entre a questão da imigração e a do asilo?
A solidariedade entre Estados-membros só será possível se aplicarmos estritamente as regras de Dublin e outras. É muito importante para os cidadãos que os que têm direito ao asilo possam recebê-lo, mas essa posição será insustentável se não estivermos em posição de recusar o asilo aos que não têm direito a ele, e garantir que essas pessoas voltem aos seus países de origem. Apenas com uma política de retorno eficaz é que poderemos conseguir ter apoio para uma redistribuição geográfica de refugiados. As pessoas nos Estados-membros vêem muito claramente que pessoas que não têm direito ao asilo acabam por ficar na mesma no território europeu. E isso aumenta a frustração da população e diminui o apoio aos que realmente precisam do asilo.

O facto de o Reino Unido recusar participar no sistema de redistribuição de requerentes de asilo e de os seus responsáveis políticos terem declarações muito fortes contra os imigrantes preocupa-o?
Os britânicos estão numa situação específica de acordo com o tratado, e por isso tomam uma posição que é coerente com essa especificidade. No entanto, quero realçar que não tenho qualquer crítica a apontar ao Reino Unido no que toca à ajuda humanitária – foram os primeiros a responder com barcos quando era preciso salvar gente no Mediterrâneo. E partilho a opinião dos que dizem que as pessoas que não têm direito a pedir asilo devem regressar aos seus países. Aí não há nenhuma oposição entre nós.

Mas os países parecem não conseguir devolver os migrantes ilegais aos seus países de origem...
Temos de ter um debate franco com alguns países terceiros que se recusam a receber de volta os seus cidadãos. Penso que precisamos de ser um pouco mais duros com eles. A UE e os Estados-membros têm meios à sua disposição para dizer: "Escutem, se vocês não querem receber os vossos cidadãos, isso terá consequências sobre as nossas relações." Vamos agora começar um projecto-piloto, o Niger, uma ideia francesa, e sobre essa base poderemos trabalhar mais de perto com os Estados-membros e com países africanos. Será uma prioridade para a política externa da UE, e diria também para a política de desenvolvimento.

A nível político constata-se que há uma subida de partidos que combinam hostilidade à imigração e oposição à UE. Isso explica as reticências políticas a esta agenda para as migrações?
O que eu sei é que políticos medrosos conduzem a um crescimento da extrema-direita. É preciso ter um pouco de coragem, não se pode estar sempre a dizer apenas o que as pessoas querem ouvir. Da extrema-direita, nunca vi nenhuma solução sobre o que quer que seja. Por isso, a única maneira de a combater é ter soluções, talvez soluções que não sejam populares no imediato, mas que resultam quando são aplicadas. Há uma frase de Churchill de que gosto muito: ter uma política de apaziguamento com a extrema-direita é como dar comida a um crocodilo. A única coisa que garante é que o crocodilo nos coma em último lugar.

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