Forças britânicas mantêm dezenas de afegãos detidos há mais de um ano sem acusação

Advogados fazem comparações com a prisão norte-americana em Guantánamo. Governo do Reino Unido diz que teme pela segurança dos detidos se eles forem entregues às autoridades afegãs.

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O primeiro-ministro britânico, David Cameron, visitou Camp Bastion em 2011 Lefteris Pitarakis/Reuters

As autoridades do Reino Unido mantêm dezenas de afegãos detidos, alguns há mais de um ano e sem acusação formal, na base militar de Camp Bastion, na província de Helmand. A notícia, avançada pela BBC e já confirmada pelo ministro da Defesa, está a ser comparada ao caso da prisão norte-americana em Guantánamo.

Segundo os jornalistas da BBC Dominic Casciani e Clive Coleman, pelo menos 85 afegãos estão detidos numa instalação provisória na maior base militar do Reino Unido no Afeganistão, onde prestam serviço quase 30.000 britânicos.

Como parte integrante da Força Internacional de Assistência e Segurança (ISAF, no original), os militares britânicos só podem deter suspeitos por um máximo de 96 horas, embora este período possa ser prolongado "em circunstâncias excepcionais", se estiver em causa "a recolha de informações para proteger vidas".

Phil Shiner – advogado de oito dos prisioneiros e fundador da organização Public Interest Lawyers – considera que a detenção de suspeitos pelas forças britânicas é comparável a Guantánamo. "Faz lembrar o tempo em que o público tomou conhecimento da existência de Guantánamo. As pessoas vão questionar-se sobre se estes detidos estão a ser tratados humanamente e de acordo com as leis internacionais", disse o advogado, citado pela BBC. "É uma prisão secreta que tem sido usada para deter ilegalmente até 85 afegãos, sobre a qual o Parlamento [britânico] nada sabe. Os tribunais também nunca foram informados quando questionaram assuntos como as detenções no Afeganistão – está completamente fora do radar."

Apesar de ter confirmado a detenção de dezenas de afegãos em Camp Bastion, o ministro da Defesa britânico, Philip Hammond, considera "absurda" a acusação de que o Reino Unido mantém uma prisão secreta no Afeganistão. "Gostaríamos de entregar estas pessoas às autoridades afegãs, para que elas pudessem ser entregues ao sistema judicial do Afeganistão", disse o ministro da Defesa ao programa Today da BBC Radio 4.

Philip Hammond afirma que os detidos – entre 80 e 90, segundo as suas próprias palavras – representariam um perigo para as forças britânicas se fossem libertados, mas também não podem ser entregues às autoridades afegãs por haver riscos de que sejam mal tratados. Em Novembro do ano passado, o Governo do Reino Unido cancelou a transferência de prisioneiros para as autoridades afegãs por considerar que há riscos de "maus tratos graves" nas cadeias do país.

Esta quarta-feira, o ministro da Defesa disse estar "a trabalhar intensamente" com as autoridades do Afeganistão para pôr fim à moratória decretada em Novembro, o que espera poder acontecer "numa questão de dias". Mas uma fonte do Minstério da Defesa britânico, citada pela BBC sob a condição de anonimato, afirma que o que tem impedido a transferência dos prisioneiros para as mãos das autoridades afegãs é "a ameaça de uma acção judicial no Reino Unido".

Um dos representantes legais do Governo britânico, o advogado James Eadie, classificou a situação como uma "tempestade legal perfeita". Por um lado, as autoridades britânicas estão convencidas de que todos os suspeitos detidos no Afeganistão cometeram crimes e têm ligações directas a insurgentes, mas o facto de alguns deles estarem detidos há mais de um ano, sem acusação formal, pode levantar graves problemas judiciais.

Segundo a BBC, um dos detidos– um adolescente – está preso há 14 meses, e um jovem de 20 anos está detido há um ano. Os documentos consultados mostram que as famílias de ambos só conseguiram encontrá-los com a ajuda da Cruz Vermelha Internacional.

O caso das detenções de afegãos em Camp Bastion está a ser apreciado pelo Supremo Tribunal do Reino Unido, que deverá pronunciar-se em Julho sobre um pedido de libertação imediata feito por advogados britânicos. Um deles, Dan Squires, apresenta como argumento o facto de o seu cliente nunca ter sido levado a tribunal. "Ele não sabe quanto tempo mais vai ficar detido, nem porquê. Perguntou se vai ser transferido para as autoridades afegãs, mas disseram-lhe que as autoridades afegãs consideram que ele não cometeu nenhum crime, e por isso não querem recebê-lo", cita a BBC.
 
 

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