Fogo cerrado contra Dilma no Congresso e na Justiça

A destituição está num horizonte longínquo, mas a Presidente, que está a perder em todos os tabuleiros do jogo político brasileiro, está cada vez mais fragilizada. Para se defender, fala em "golpe".

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Dilma Roussef está cada vez mais fragilizada Adriano Machado/Reuters

A Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, disse na manhã desta quarta-feira que este seria "um dia importante" no caminho que está a fazer para "atravessar o mais rápido possível as dificuldades". Acertou na primeira parte, mas só viu as dificuldades aumentarem e ao ponto de estar ameaçada pela ingovernabilidade. A meio da tarde, foi abandonada pelas formações políticas que sustentam o seu Governo, não tendo conseguido quórum para que fossem votados (e aprovados) os vetos presidenciais a uma série de projectos que aumentam a despesa pública.

"O Congresso vai confirmar o seu compromisso com o Brasil", tinha dito a Presidente quando ainda acreditava que as manobras políticas dos últimos dias teriam resultado. Dilma Rousseff reformou o Governo, entregando sete ministérios ao maior partido da aliança governativa, o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), mas saiu derrotada deste jogo pela fidelidade e, mais uma vez, a votação não aconteceu por não estarem na Câmara de Deputados os 257 membros exigidos pela lei.

Conta o jornal O Globo que os deputados trocaram mensagens entre si para organizarem o boicote, faltando à sessão. E o Folha de São Paulo diz que os representantes das outras forças que sustentam o Governo quiseram mostrar desagrado por não terem sido contemplados na distribuição de ministérios em troca de fidelidade. "O movimento também foi formado para mostrar à Presidente que errou ao dar prioridade ao líder do PMDB, Leonardo Picciani, como interlocutor do governo nas negociações da reforma política", escreve a Folha.

Em causa estão uma série de vetos de Dilma Rousseff a iniciativas do Congresso, com o Planalto a ter especial interesse na aprovação de dois vetos que poupam muitos milhões aos cofres do Estado nos próximos anos. Um deles diz respeito a um reajuste no salário dos funcionários judiciais, que terá um impacte de 36,2 mil milhões de reais até 2019; outro reajusta o salário mínimo dos beneficiários da Previdência Social, um acréscimo de despesa de 11 mil milhões de reais em quatro anos.

"Os caras estão cobrando a factura. É uma canalhice", disse um dos vice-líderes do PSC-PE (Partido Social Cristão-Pernambuco), um dos aliados de Dilma que compareceram à sessão.

Haverá nova tentativa de votação dos vetos, mas não se sabe quando e, para já, o Congresso não se reúne. "Vamos avaliar quando será prudente e recomendável convocar nova sessão", disse o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB). "É como se o Governo tivesse deixado de existir", disse o congressista Pauderney Avelino (oposição), citado pela Reuters.

O caso "pedalada fiscal"
A segunda adversidade deste dia importante estava marcada também para esta quarta-feira, vinda do Tribunal de Contas (TC), de quem se espera uma decisão negativa sobre o orçamento do Governo de 2014 — que pode conter irregularidades.

Até à última hora a equipa de Dilma tentou adiar a decisão do TC, que os jornais brasileiros são unânimes em dizer que irá decidir de forma desfavorável a Dilma — essa é a tendência de voto de seis dos nove juízes. Não conseguiu: o Supremo negou o pedido do Governo para suspender a sessão do Tribunal de Contas que começou ao fim da tarde (hora brasileira) a analisar as contas do Governo de 2014.

O Governo tinha pedido ao Supremo para afastar o juiz relator (o responsável pelo processo), Augusto Nardes, que primeiro acusou de ter violado o regulamento interno do TC ao antecipar o seu voto quando fez declarações públicas confirmando as "pedaladas fiscais" (manobras contabilísticas, por exemplo a passagem de verbas de um lado para o outro, para equilibrar artificialmente as contas), e depois de corrupção. A equipa de advogados de Dilma esperava que, até haver uma decisão sobre Nardes, o TC se mantivesse parado sobre as contas de 2014. Este tribunal avaliou as acusações no início da sessão e manteve Nardes à frente da investigação.

Se o TC concluir que as contas contêm irregularidades, recomendará ao Congresso que actue em conformidade. A oposição considera que, a confirmar-se, este crime constitui uma base legal para a destituição de Dilma Rousseff. Mas o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), já anunciou que não dará prioridade ao assunto, caso o TC chumbe as contas do Governo, e que a matéria poderá só chegar ao Congresso para discussão no primeiro trimestre de 2016.

Suspeitas na reeleição
Dilma está, portanto acossada por muitos lados e a destituição, ainda que permanecendo longe no seu horizonte, é a palavra mais ouvida em Brasília. Na terça-feira também foi assim, depois de o Tribunal Superior Eleitoral ter concluído — através de votação, cinco juízes contra dois — que há indícios suficientes para investigar possíveis irregularidades na campanha que levou à reeleição da Presidente, no ano passado.

A decisão faz avançar a investigação sobre se Rousseff e o seu vice-presidente, Michel Temer, abusaram dos seus poderes enquanto titulares de cargos públicos em proveito da campanha eleitoral — em particular, se as suas acções de campanha beneficiaram de fundos recebidos de forma ilegal.

Em último caso, esta investigação do Tribunal Superior Eleitoral poderá anular a vitória de Dilma Rousseff, mas não será nunca um caminho rápido — para além de a própria investigação poder demorar meses ou até anos, o seu resultado é passível de recurso para o Supremo Tribunal.

A Presidente voltou a defender esta quarta-feira a sua eleição e disse que qualquer tentativa de se chegar ao poder sem ser através do voto popular é um "golpe". "Temos uma democracia. A base é o voto directo nas urnas. Impossível achar que fazemos um serviço para a democracia tentando métodos para encurtar a chegada ao governo. O único método reconhecido [para chegar ao poder] é o voto directo nas urnas", disse Dilma a uma rádio de Salvador citada pelo Globo. "Acho que a nossa democracia é forte o suficiente para impedir que variantes golpistas tenham espaço no cenário político brasileiro", concluiu.

 

 

 

 

 

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