Feno por queijo, vinho por arroz: economia de troca renasce na Grécia rural

As trocas começaram com o controlo de capitais. O sistema foi usado pela última vez em larga escala durante a ocupação nazi.

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Os agricultores têm usado sistemas de trocas que em tempos foram populares na Grécia para contornar os controlos de capitais Cathal McNaughton/Reuters

As maiores preocupações do produtor de algodão Mimis Tsakanikas costumavam ser animais selvagens e cortes de electricidade. Isto até que o encerramento dos bancos no mês passado o deixou sem dinheiro para pagar a fornecedores, e aos seus clientes sem dinheiro para lhe pagar a ele.

Pressionado por todos os lados, o agricultor de 41 anos começou uma informal troca de bens para contornar a falta de dinheiro. Agora paga a alguns trabalhadores em géneros com as colheitas, e troca equipamento com outros agricultores em vez de comprar ou alugar maquinaria.

Tsakanikas faz parte de uma crescente economia de trocas que alguns gregos vêem como um passo atrás para um país moderno, mas que para outros é um meio prático de sobrevivência económica de curto prazo.

Quando alugou um campo este mês, Tsakanikas combinou pagar com parte da sua produção de forragem. “É um pesadelo. Devo dinheiro a muita gente – bombas de gasolina e empresas de máquinas. Tenho de ir ao banco todos os dias, e o dinheiro que tiro não é suficiente”, disse Tsakanikas, que também cultiva vegetais e milho em 60 hectares de terra.

Cada vez mais gregos em zonas rurais estão a trocar bens e serviços desde que os bancos encerraram a 28 de Junho, uma de várias medidas de controlo de capitais (os bancos reabriram, com limites de levantamentos de 420 euros por semana). Não há dados porque a maioria dos sistemas de trocas são informais, mas a actividade em plataformas online e relatos de agricultores e empresas mostra que o esquema está a aumentar.

Em aldeias remotas e zonas agrícolas como Lamia, no centro do país, o conceito não é novo – os agricultores há muito que trocam bens e serviços.  Um dos povos comerciantes mais antigos, tal como os fenícios, os gregos trocaram durante séculos vinho, azeite, trigo e tintas ao longo do mar Egeu e Mediterrâneo.

“As trocas fizeram parte da vida diária dos gregos”, disse Haris Lambropoulos, economista e professor na Universidade de Patras. “No passado era sobretudo a um nível familiar e individual, mas agora está a expandir-se. É um fenómeno mais estruturado e organizado.”

Negócio em crescimento

Tradenow, um site que começou há três anos para facilitar as trocas de tudo desde comida a tecnologia, diz que o número de utilizadores e o volume de transacções duplicaram desde que entrou em vigor o controlo de capitais.

“Antes, contactávamos empresas para as encorajar a registar-se”, diz Yiannis Deliyiannis, o CEO da empresa. “Agora são as empresas que nos contactam para se registarem.”

Exemplos de negócios recentes: uma loja de reparações automóveis deu pneus a outra empresa em troca de uma cabina de duche, uma empresa de alarmes anti-roubo dá serviços em troca de papel e publicidade, e um talhante de Atenas troca fornecimentos diários de carne por serviços.  

A plataforma concluiu 3000 transacções num valor total de 800 mil euros e o negócio, que se baseia numa comissão da parte de transacção em dinheiro de qualquer transacção – está agora perto de ser rentável.

Entre outras empresas do género surgiu há três meses o Mermix, um site que promove partilhas de maquinaria pesada entre agricultores, quer com dinheiro quer em sistema de trocas. Tem 100 agricultores inscritos e um negócio crescente.

"Com o controlo de capitais e os limites nas transacções bancárias, há um problema de liquidez, por isso os agricultores estão a virar-se mais para modelos como os nossos, porque o mercado da maquinaria é caro”, diz o fundador do site Christos Stamatis, que também chefia uma organização de agricultores em Lamia.  

Muitas vezes as trocas são pequenas, por exemplo 10 litros de vinho por 20 quilos de arroz. As maiores envolvem terrenos e máquinas.

As trocas também estão offline, já fora de Lamia, nos campos verdes e amarelos pontilhados com algodão. Os agricultores dizem que são os candidatos ideais para as trocas porque têm despesas durante todo o ano mas só são pagos na altura das colheitas.

Panagiotis Koutras, criador de gado e agricultor, vendeu forragem para alimento animal no valor de 2000 euros a um agricultor que lhe pagou em trigo. Outro agricultor usou equipamento para pagar 4000 euros de uma conta de 6000 euros de produtos que Koutras lhe tinha fornecido.

Kostas Zavlagas, que produz algodão, trigo e forragem, deu feno e partes de maquinaria a outro agricultor, que ficou de lhe pagar mais tarde com outros produtos, eventualmente queijo.

À medida que a actividade aumenta, também aumenta a atenção que lhe é dada, especialmente a nível fiscal, porque torna difícil supervisionar o pagamento de IVA: “As trocas não são ilegais desde que haja documentos para cada transacção”, comentou o responsável da unidade anti-corrupção do Ministério das Finanças, Christos Kyriazopoulos. “Estamos a ver atentamente este fenómeno”, garante.

Muitos gregos não gostam de falar de trocas, porque estas simbolizam um grande retrocesso numa sociedade em crise económica há seis anos.

“Claro que uma economia de trocas não é algo a que devêssemos aspirar”, diz Stamatis, da plataforma Mermix. “Devia ser algo do passado – a última vez que tivemos este sistema em grande escala foi durante a ocupação” nazi durante a II Guerra, diz. “Mas os controlos de capitais não são uma forma financeira de ocupação’”?

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