Faltam medicamentos nas farmácias, sobram chaves na loja de Andreas

Depois de uma semana de bancos fechados, Philip tem 10 euros no bolso e diz que está tudo bem. Mas um ex-minsitro queixa-se que já não pode comprar aplicações para o seu iPhone.

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Um reformado no chão a chorar AKIS MITROLIDIS/AFP

Há uma semana que as filas das caixas multibanco são a imagem visível do controlo de capitais. Começam de manhã cedo, e vão pela noite dentro. Muitas vezes têm câmaras de televisão apontadas, locais ou internacionais, para quem espera a sua vez.

A maioria das televisões privadas gregas têm dado grande destaque a estas filas, assim como às dos reformados que puderam ir levantar parte da sua reforma a alguns bancos que abriram especialmente para eles.

Num directo, um repórter da estação Mega TV entrevista um reformado na fila. Ele queixa-se que sim, é difícil, a situação é difícil. O jornalista pergunta: “mas 120 euros [a quantia máxima] é suficiente para as suas necessidades pessoais?” O reformado responde: “Acho que o problema não são as minhas necessidades, são as do país”, e preparando-se para continuar é interrompido pela pivô, que corta o directo para passar uma peça pré-gravada com outros reformados a queixar-se.

Mas os reformados terão dificuldades especiais, porque a maioria não tem cartão multibanco e paga tudo com dinheiro – renda, contas da electricidade, farmácias. Há imagens fortes, de idosos à porta de bancos com ar desesperado. Uma fotografia mostra um reformado sentado no chão a chorar.

Quem tem doenças crónicas também está ansioso. Numa farmácia da praça Syntagma, a farmacêutica Georgia diz que tem havido uma corrida aos remédios. “Neste momento já não temos medicamentos para os diabéticos, insulina, medicamentos para a tiróide, e leite em pó para bebé”, enumera. “Também já temos poucos remédios para o colesterol, pessoas que compravam uma caixa agora levam três. Já começámos a dizer que só temos uma”, conta. “Estamos muito zangados, mas não é só com este governo, é com os anteriores”, sublinha. Agora, o pior é o que pode acontecer para a semana. “Não sei como vai ser se os bancos não abrirem rápido.”

No mercado central de Atenas, Vasilis, 32 anos, lá consegue fazer-se ouvir entre os pregões e o corropio de pessoas na sua banca de congelados (polvo, 11,90 euros o quilo, calamares, 8 euros). Mas apesar da movimentação, diz que têm vendido menos. “É muito irregular. Às vezes vendemos muito – segunda-feira, terça, foram óptimos dias. Depois quarta foi mau. Ontem melhorou um pouco”, descreve. “Mas nós estamos no negócio da comida, por isso vendemos sempre, mais ou menos”, diz, com um piscar de olho.

Já ao falar do referendo torna-se sério. “É escolher entre um mal e outro. O que escolher?”

Julie, 30 anos, empregada numa mercearia perto, diz que as coisas não estão bem como de costume. “Todas as lojas nesta zona notaram. Nós um pouco menos, as pessoas precisam de comer”, nota. Quanto ao referendo, queixa-se de que foi tudo muito rápido. “Vou votar sim, mas não sei se é o certo. Não tivemos tempo para pensar.”

“O tolo da aldeia”

Negócios de coisas que não sejam necessidades absolutas notam mais a falta de dinheiro a circular. Andreas, 50 anos, tem uma loja de chaves e diz que a situação está “muito difícil”. “Ninguém vem comprar cá nada a não ser que tenha uma emergência – tenha perdido as chaves, por exemplo. O resto está parado”.

Do ponto de vista pessoal, ainda por cima, sente-se “o tolo da aldeia”. Isto porque não tirou o dinheiro que tem no banco. “Não achei correcto fazer isso. Agora, depois disto tudo, acho que fui estúpido.”

Andreas herdou a loja do pai – mostra uma fotografia dele com uma caixa de madeira e um conjunto de chaves. “Esta é a nossa primeira loja, esta foto foi depois da guerra”, diz. Para ele, preservar a paz e a estabilidade é o mais importante, por isso vai votar ‘sim’. “Com dracma, um dia uma custa 100, no outro 150.”

A diminuição do negócio nota-se bastante nas casas de jogos, que existem como cogumelos por toda a Atenas e têm sempre grande afluência. “Diria que caiu pelo menos 30%, talvez mais”, diz um responsável de uma delas, que prefere não dizer como se chama.

As apps do iPhone

Como transferir dinheiro para o estrangeiro é impossível, as importações sofrem. Também gregos que estão no estrangeiro não conseguem fazer pagamentos com os seus cartões. E há muitos que não conseguem comprar viagens de regresso – a campanha do ‘sim’ montou aliás um site que permite pagamentos directos para ajudar estas pessoas.

Também há relatos de camionistas a ter dificuldade em comprar gasolina no estrangeiro, por não poderem usar cartões, e de donos de restaurantes em Salónica (norte) aceitarem moeda búlgara de clientes do país vizinho que não conseguiam levantar dinheiro nas caixas multibanco da cidade.

O controlo de capitais expôs ainda mais a fractura na sociedade grega, entre quem tem dinheiro suficiente para se preocupar e quem não tem, e os motivos da preocupação. Um exemplo: na televisão, o antigo ministro da marinha mercante Miltiadis Varvitsiotis explicava os efeitos do controlo de capitais, mostrando o seu telefone: “Já não é possível instalar aplicações no iPhone com um cartão de crédito grego.”

Para muitos gregos, o efeito maior do limite diário é o inconveniente de estar na fila, porque muitos não têm dinheiro suficiente para tantos levantamentos. “Seria preciso ganhar 1800 euros por mês para levantar 60 euros por dia”, comenta Philip, 23 anos, estudante de direito e finança internacional, de camisa aprumada e gravata, num antigo e que já terá sido grandioso café de Atenas. “Eu tenho dez euros no bolso, não mais, e está tudo bem. Muitas pessoas não vão precisar de levantar tanto dinheiro.”

O metro e os autocarros deixaram de cobrar bilhetes logo a partir de segunda-feira para facilitar a vida das pessoas. Há quem brinque com a situação. Num muro, uma frase grafitada diz: “Os bancos fecharam e os transportes são grátis, temos comunismo na Grécia.”

 

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