Atentado que faz 95 mortos em Ancara é o maior de sempre na Turquia

Há ainda 246 feridos nas explosões. Partido pró-curdo atribui responsabilidades ao Governo de Erdogan, a três semanas das eleições antecipadas de 1 de Novembro.

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Pessoas no local tenta socorrer os feridos Tumay Berkin/Reuters
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Feridos aguardam por assistência médica Tumay Berkin/Reuters
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Uma manifestação convocada por sindicatos e forças de esquerda e pró-curdas em Ancara, em protesto contra o conflito do exército e da guerrilha do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), foi alvo de um duplo atentado que foi o mais mortífero de sempre na Turquia: pelo menos 95 pessoas morreram e 246 ficaram feridas. Destas, 48 estão nos cuidados intensivos, dizia o balanço feito no sábado à noite pelo gabinete do primeiro-ministro turco.

Julga-se que estariam 14 mil pessoas no local naquele momento, diz a agência noticiosa turca Anadolu. As explosões deram-se junto às saídas laterais de uma estação de comboios, onde simpatizantes do HDP, o Partido Democrático do Povo, pró-curdo, estavam a organizar-se para a marcha. Um candidato a deputado do HDP por Istambul foi morto no atentado.

Depois de as bombas rebentarem, a polícia turca disparou para o ar, para obrigar os manifestantes a dispersar, e distribuiu bastonadas relata o site em inglês do jornal turco Hürriyet. Há pelo menos um vídeo a correr na Internet em que a polícia usa os cassetetes longos e os escudos para bloquear a passagem de ambulâncias que chegam para socorrer os manifestantes feridos – até serem desarmados por civis, que lhes batem com os bastões para os afastarem. Os manifestantes gritavam-lhes "polícias assassinos", relata a AFP.

A agência noticiosa DHA divulgou um vídeo com o momento das explosões e também as primeiras imagens captadas após os rebentamentos.

“Foi um ataque bárbaro. Estamos confrontados com um Estado assassino que se transformou numa máfia”, acusou um dos líderes do HDP, Selahattin Demirtas, citado pela AFP. Isto porque este partido tem sido alvo de uma série de ataques violentos nos últimos tempos, que dizem ser uma “campanha de linchamento” orquestrada pelo partido Presidente Recep Erdogan, do AKP.

Manifestações de grupos nacionalistas com bandeiras do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), que atacam sedes do HDP, jornais como o Hürriyet e políticos pró-curdos, têm-se juntado à perseguição policial e detenção de figuras da esquerda turca, sob cobertura do lançamento da guerra contra “todos os terrorismos”, em que o grupo jihadista Estado Islâmico é colocado no mesmo saco que o separatistas do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e dos grupos de extrema-esquerda.

Os rebentamentos em Ancara ocorrem três semanas antes das eleições antecipadas para o Parlamento turco, convocadas pelo Presidente – porque com os resultados das legislativas de Junho, o seu partido, o AKP, não conseguiu formar nenhum governo de coligação.

Foi a entrada do HDP no Parlamento nas eleições de Junho que fez com que o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) de Erdogan não tivesse os votos suficientes para formar governo sozinho e para aprovar a nova Constituição, que transformaria a Turquia num regime presidencialista. O AKP e Erdogan procuram capitalizar o ambiente de confusão após as eleições de Junho, abandonando as negociações de paz com os curdos para voltar a mostrar o peso da espada otomana, esperando reconquistar votos dessa forma, num momento em que a guerra na Síria espreita nas fronteiras.

Foi retomada a guerra civil entre Ancara e os separatistas curdos: o Exército recomeçou a bombardear posições do PKK na sua ofensiva “sem distinção”. Uma decisão que acabou com a trégua com o PKK que vigorava há dois anos e está a reacender um conflito que, ao longo de três décadas, matou cerca de 40 mil pessoas.

Em busca de culpados

“Conhecemos os assassinos. São aqueles que desencadearam a guerra para obter 400 deputados”, e assim a maioria, acusaram os organizadores da manifestação numa conferência de imprensa, citados por Guillaume Perrier, correspondente do Le Monde na Turquia. As sondagens dão entre 38% a 40% dos votos a 1 de Novembro para o AKP, contra os 41% que obteve a 7 de Junho, diz ainda o jornal francês. Há uma clara estratégia eleitoral de associar o HDP aos “terroristas do PKK”.

Recep Tayyip Erdogan condenou “o ataque odioso contra a unidade e a paz do país”, num comunicado colocado no site da presidência. O primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, decretou três dias de luto nacional, afirmando que este atentado é um ataque contra a democracia turca. 

Erdogan afirmou não existir qualquer distinção entre o ataque terrorista de Ancara e aqueles que têm tido por alvo a polícia ou o exército turcos e são atribuídos ao PKK. Mais de 150 agentes ou soldados turcos foram mortos desde o fim do Verão por atentados atribuídos ao PKK e as autoridades dizem ter “eliminado” mais de dois mil membros deste grupo separatistas nas suas operações. O Presidente garantiu que os responsáveis pelo atentado serão encontrados o mais breve possível e entregues à justiça.

Na verdade, Davutoglu anunciou que um militante de um grupo de extrema-esquerda foi preso em Istambul e outro em Ancara – sugerindo a sua ligação ao atentado de sábado, embora a manifestação fosse convocada por forças de esquerda.

Em Istambul, formou-se uma manifestação no fim do dia rumo à praça Taksim, no centro da cidade, relata a Reuters e gritam-se palavras de ordem como "Erdogan demite-te" e "AKP assassino". Havia uma faixa com as palavras "nós conhecemos os assassinos", diz a AFP.

Mas pouco tempo depois do atentado, o PKK emitiu um comunicado em que ordenava aos seus militantes que parassem com toda a actividade na Turquia até às eleições, a não ser que sofressem um ataque directo.

Este atentado tem o potencial de inflamar e, muito, a situação política na Turquia, com as eleições à porta. Uma delegação do Conselho da Europa, que visitou a Turquia esta semana, manifestou a sua preocupação com o ambiente em que vão decorrer estas eleições, que não terá nada a ver com o de Junho.

É citada a pressão sobre os media – que inclui violência física contra os edifícios de jornais – como o Hürriyet, a 6 e 8 de Setembro – e sobre jornalistas, como um colunista deste jornal, Ahmet Hakan, que foi agredido brutalmente, de forma a necessitar de internamento prolongado. Este sábado, Bülent Kenes, o director de outro jornal crítico em relação ao AKP e a Erdogan, o Today’s Zaman, foi detido para prestar declarações, por ter sido considerado que insultou o Presidente.

A delegação do Conselho da Europa condenou ainda a “violência com motivos políticos das últimas semanas, na qual inclui a onda de ataques contra cerca de 400 sedes do HDP e a detenção de vários membros deste partido pró-curdo, incluindo alguns presidentes de câmara, lê-se no Hürriyet.

Selahattin Demirtas, líder do HDP, não poupa palavras contra o AKP e o Governo. “Ninguém foi responsabilizado”, afirmou, referindo-se a essa onda de ataques. “Não há nenhuma investigação eficaz. Também não há-de haver sobre o atentado de hoje em Ancara. Este não é um ataque contra a unidade do Estado e da nação. É um ataque da nossa nação contra o nosso povo”, sublinhou.

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