Ex-arcebispo será o primeiro a ser julgado no Vaticano por abusos sexuais

Santa Sé confirma dedução de acusação contra ex-arcebispo polaco, por crimes de abuso sexual de menores e posse de pornografia infantil.

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Os crimes terão sido cometidos quando Wesolowski era núncio apostólico na República Dominicana Reuters

A Justiça do Vaticano vai julgar, pela primeira vez, um caso de pedofilia envolvendo um membro do clero. O presidente do Tribunal de Estado do Vaticano marcou para 11 de Julho a primeira audiência do processo canónico em que é arguido um ex-arcebispo polaco de 66 anos, que está acusado dos crimes de abuso sexual de menores e de posse de material pornográfico.

“O tribunal de Estado do Vaticano deduziu acusação contra o antigo núncio apostólico na República Dominicana, Josef Wesolowski”, confirmou esta manhã o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi. O ex-arcebispo, que resignara ao sacerdócio em 2013 na sequência da abertura do inquérito, foi destituído de todos os cargos eclesiásticos e reduzido ao estado laico no ano passado. Por decisão do Papa Francisco, foi colocado sob prisão domiciliária no Vaticano, enquanto decorriam as investigações criminais lançadas pelas autoridades dominicanas e também da Santa Sé.

E para os especialistas, a intervenção do Papa também terá sido fundamental para a decisão das instâncias canónicas de avançar com o julgamento. Segundo os vaticanistas, o processo poderia ter um desfecho muito diferente se o pontífice não tivesse deixado claro, logo depois da sua eleição, que não teria tolerância ou contemplações para com os membros do clero envolvidos em crimes de natureza sexual.

Os factos por que Wesolowski  está acusado remontam ao período entre 2008 e 2013, quando era o embaixador do Vaticano na República Dominicana, e alegadamente pagou para manter relações sexuais com menores. A polícia de Santo Domingo abriu uma investigação depois de denúncias se referirem a pagamentos feitos pelo núncio a jovens para participarem em sessões de masturbação ou relações sexuais – o caso tinha sido exposto por uma conhecida jornalista durante um programa televisivo naquele país.

De acordo com o relato dos menores citados pela reportagem, Wesolowski costumava frequentar um passeio marítimo que é uma conhecida zona de prostituição de Santo Domingo. Aparecia “disfarçado” com roupas de turista e um boné de baseball, e abordava rapazes – alguns eram engraxadores de sapatos e outros eram prostitutos – a quem oferecia dinheiro em troca de serviços sexuais.

As acusações foram transmitidas à Santa Sé e o assunto foi reputado como “extremamente grave”. O então arcebispo foi discretamente removido do cargo e chamado de volta a Roma antes de ser inquirido pelas autoridades dominicanas – uma decisão polémica mas que segundo a interpretação da Santa Sé não “obstruiu” a justiça uma vez que Wesolowski estava “protegido” pela sua imunidade diplomática.

Mas além dos crimes de abuso sexual de menores alegadamente praticados na República Dominicana, o ex-prelado também foi acusado da posse de pornografia infantil: esse material terá sido encontrado entre os seus pertences quando já se encontrava em Roma. Se vier a ser condenado, Jozef Wesolowski poderá enfrentar uma pena que pode ir dos seis aos doze anos de prisão, que provavelmente serão cumpridos num estabelecimento prisional italiano (o Vaticano não dispõe de cadeia). Outras possibilidades, em caso de condenação, passam pela extradição para a República Dominicana ou para a Polónia, seu país de origem.

A Santa Sé qualificou o processo – que será o primeiro julgamento de crimes sexuais dentro do Vaticano – como “delicado” e confirmou que o inquérito envolve um elevado grau de cooperação internacional, nomeadamente com as instâncias judiciais da República Dominicana. Em comunicado, o Vaticano diz que as acusações serão examinadas pelo “órgão judicial competente da Justiça canónica”, que poderá solicitar perícias técnicas e inquirições de testemunhas para “uma análise mais escrupulosa das provas”.

Demissões nos EUA
Entretanto nos Estados Unidos, o arcebispo John Clayton Nienstedt e o bispo auxiliar Lee Anthony Piche afastaram-se da diocese de Saint Paul e Minneapolis, que foi formalmente responsabilizada pelo encobrimento de alegados abusos sexuais de menores por parte de um dos seus clérigos pela procuradoria do estado de Minnesota.

Em comunicado, o procurador do condado de Ramsey, John Choi, informou que o processo movido contra a diocese assenta num “preocupante padrão de comportamento, institucional e sistémico, exibido durante décadas pelas mais altas hierarquias da arquidiocese de Saint Paul e Minneapolis”, que terá contribuído para o prolongamento da actividade criminosa de um padre, que entretanto foi condenado por abusos sexuais de menores.

“Com esta acção, manifestamos a nossa determinação em responsabilizar a arquidiocese pelos crimes que foram praticados, para que sejam dados todos os passos necessários para evitar que estes falhanços possam repetir-se no futuro, e ainda para garantir justiça para todas as vítimas e para uma comunidade que não foi protegida das acções de um predador”, justifica o procurador.

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