Europa teme a factura pesada que vai pagar se avançar com sanções à Rússia

NATO suspende cooperação com a Rússia, enquanto diplomatas tentam forçar Moscovo a negociar, sem prejudicar a economia

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Soldados ucranianos em Sebastopol veem um navio de guerra russo a sair do porto VIKTOR DRACHEV/AFP

Se no século XXI os países ricos não querem nem ouvir falar de entrar em guerra com soldados e canhões uns contra os outros, como se fazia há 100 anos, e preferem falar em negociações e sanções, esse caminho também não é fácil, como se provou ontem, um dia em que se tentou explorar a via diplomática na NATO e em Paris. Mas a possibilidade de uma guerra económica com a Rússia causa um arrepio na espinha colectivo dos governos europeus, ao pensarem nas consequências económicas.

 Se não há propriamente guerra no terreno, e há tentativas de conversações diplomáticas, há um azedar das relações. A NATO anunciou uma revisão aprofundada da sua cooperação com a Rússia e a suspensão do planeamento de uma missão conjunta relacionada com a destruição das armas químicas sírias. Ao mesmo tempo, vai acelerar o envolvimento com a liderança civil e militar ucraniana, anunciou o secretário-geral da organização, Anders Fogh Rasmussen, após um encontro com representantes russos.

Em Paris houve uma intensa movimentação diplomática, com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros russos a ser várias vezes desconfirmada de uma reunião em que se poderia discutir a situação na Crimeia, à margem de um encontro diplomático sobre o Líbano. Acabou por conversar com o secretário de Estado norte-americano John Kerry e outros congéneres europeus.

Hoje, os líderes dos União Europeia reúnem-se numa cimeira extraordinária para discutir sanções contra a Rússia. Mas enquanto os Estados Unidos estão a pressionar para que sejam impostas sanções fortes, na UE há divisões, que não têm apenas a ver com a dependência em relação ao gás natural russo.

Há outros valores que pesam, como o facto de Londres ser a cidade preferida dos milionários russos. Setenta grandes empresas russas de hidrocarbonetos, como a Gazprom, a Rosneft ou a Lukoil, ou o banco Sberbank, estão cotadas em Londres. Roman Abramovich, o milionário proprietário do clube de futebol Chelsea, é um próximo do Presidente Vladimir Putin.

A Alemanha tem na Rússia o seu quarto maior parceiro comercial fora da União Europeia — as empresas alemãs têm 22 mil milhões de euros investidas no país. A chanceler Angela Merkel, embora não ponha a hipótese de sanções de lado, é a líder europeia que mais tem defendido a mediação — embora secundada por França, Reino Unido, Holanda e Itália. Entre as empresas com grandes investimentos na Rússia está a Renault, que é em parte propriedade do Governo francês, e está prestes a aumentar o capital que detém no maior fabricante de automóveis russo para 75% ainda este ano. E Paris tem em curso um negócio para vender a Moscovo navios de guerra, de que não está pronta a abdicar.

Retaliação

 “Só se devem considerar sanções se não prosseguirem as negociações. As sanções têm sempre um impacto negativo para os que as lançam, devemos avaliar a situação com cuidado. É provável que haja contra-sanções”, avisou Jykri Katainen, o primeiro-ministro da Finlândia, que tem uma fronteira de 1300 quilómetros com a Rússia e uma longa experiência de disputas com Moscovo.

Contra-sanções é exactamente o que promete Andrei Klishas, da câmara alta do Parlamento russo, que anunciou à agência RIA Novosti estar a preparar uma lei que permitirá congelar bens e propriedades de empresas americanas e europeias na Rússia, em retaliação contra eventuais sanções económicas.

O que Klishas tem em mente roça a chantagem: “Estamos apenas a sugerir que em vez de nos ameaçarmos uns aos outros com sanções, devíamos sentar-nos com os nossos parceiros e ler a Constituição ucraniana para compreender o que o aconteceu neste país soberano.” O objectivo, diz, é “fazer com que ouçam os nossos argumentos legais e reajam de forma adequada, quer os nossos parceiros europeus e americanos queiram, quer não.”

A União Europeia decidiu congelar os bens de 18 ucranianos suspeitos de se terem apropriado indevidamente de fundos estatais. E o secretário da Defesa norte-americano, Chuck Hagel, anunciou que a cooperação económica com a Polónia e com os países bálticos — as nações da UE que defendem uma posição mais dura com a Rússia — ia ser reforçada.

No terreno, deu-se um incidente diplomático. Robert Serry, enviado especial do secretário-geral das Nações Unidas, ficou encurralado num café em Sinferopol, a capital, com o seu carro rodeado por uma milícia armada —a Rússia continua a negar que os homens armados com carros militares de matrículas russas na Crimeia façam parte do seu exército. Serry refugiou-se com um grupo de jornalistas e pôr um fim abrupto à sua missão.     

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