EUA dizem que Irão bombardeou Estado Islâmico, mas isso não os torna parceiros

Embora Teerão apoie o regime de Assad em Damasco, partilha um inimigo na região: os jihadistas que tentam criar um Estado, conquistando terreno no Iraque e na Síria

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Os bombardeamentos do Irão terão visado posições do EI na província de Diyala ARIS MESSINIS/AFP

A campanha de bombardeamento aéreo contra o autoproclamado Estado Islâmico (EI) “começa a dar resultados”, e o avanço deste grupo extremista no Iraque e na Síria está a começar a ser travado, assegurou o secretário de Estado norte-americano. E embora nem John Kerry nem Teerão o confirmem oficialmente, tudo indica que o Irão atacou, pela primeira vez, posições desta formação sectária no Iraque.

“Não vou confirmar ou negar bombardeamentos que tenham sido feitos por outro país”, afirmou o secretário de Estado dos EUA, no final de uma reunião em Bruxelas com ministros dos cerca de 60 países que integram a coligação que está a atacar esta formação islamista, que persegue crentes de qualquer outra fé para além do islão sunita.

Mas se negou qualquer coordenação com Teerão, a potência xiita da região, por parte da coligação liderada por Washington, acolheu a ideia de bombardeamentos iranianos favoravelmente. “É evidente que se o Irão atacar o Estado Islâmico em determinados locais, e que se essa acção se limitar ao EI, essa acção terá um efeito positivo”, afirmou Kerry, citado pela AFP.

A derrota militar do grupo jihadista sunita, que persegue – e mata – xiitas, cristãos, e crentes de qualquer outra fé, não está a alcance da mão, sublinhou John Kerry. Esta é uma guerra para anos, e não para meros meses. O grupo não será derrotado apenas pela força das armas: será necessário destruir a sua “ideologia, meios de financiamento e de recrutamento.”

O New York Times noticiou que caças iranianos fizeram vários raides na semana passada contra posições do EI na província de Diyala, numa zona-tampão de cerca de 85 km declarada por Teerão ao longo da sua fronteira com o Iraque. O jornal diz que esta informação foi confirmada por um político iraniano, responsáveis americanos e analistas independentes – mas oficialmente não é confirmada por Teerão.

Pista F-4
A televisão pan-árabe Al-Jazira mostrou também imagens de aviões que parecem ser caças F-4 Phantom, semelhantes aos utilizados pela Força Aérea iraniana, que estariam a atacar alvos do EI em Diyala. O contra-almirante John Kirby, porta-voz do Pentágono, tinha dito que cabia ao Governo iraquiano coordenar os ataques aéreos feitos pelos vários países que participam na coligação contra o EI – e não aos EUA.

“O Irão e a Turquia são os únicos operadores regionais de F-4, e uma vez que o incidente se localizou perto da fronteira iraniana, e a Turquia não tem mostrado vontade de se envolver militarmente no conflito, tudo indica que se trate de aviões da República Islâmica”, disse à Reuters Gareth Jennings, da revista Jane's Defence Weekly.

A coordenação do Governo iraquiano xiita com Teerão – ainda que não com os EUA – para os combates no terreno não é uma novidade. Têm sido abundantes os avistamentos no Iraque do general iraniano Qassim Suleimani, um veterano da guerra Irão-Iraque e há muitos anos o comandante da força Quds, o serviço de operações especiais da República Islâmica.

Prioridades
Mas se o Irão e os EUA têm um inimigo comum no Estado Islâmico, é preciso não esquecer que Teerão apoia o Presidente Bashar Al-Assad. E foi a contestação ao regime de Assad na Síria, em 2011, que se tornou uma guerra civil, devido à violência com que foi reprimida. O conflito acabaria por favorecer o aparecimento dos jihadistas do EI.

O Presidente Assad, aliás, tentou pesar no debate internacional, dizendo que os ataques da coligação internacional – cerca de mil, desde 8 de Agosto – não fizeram diferença nenhuma no terreno, através de uma entrevista à revista francesa Paris Match, que colocou extractos da conversa no seu site nesta quarta-feira. “Nós é que estamos a conduzir os combates terrestres contra o Daesh [o acrónimo árabe do Estado Islâmico], e não constatámos nenhuma mudança”, afirma Assad. “Não se pode acabar com o terrorismo com ataques aéreos. São indispensáveis forças terrestres que conheçam a geografia.”

Mas essa não é a opinião dos especialistas, para quem o vento está a mudar para os radicais sunitas. “As grandes unidades do EI deixaram de poder movimentar-se tranquilamente, sem se preocuparem com os bombardeamentos”, sublinhou John Kerry.

A estratégia comum da coligação, que reúne países ocidentais e países árabes, tem cinco eixos fundamentais a desenvolver para continuar a luta contra o Estado Islâmico: aumentar o esforço militar, travar o fluxo de combatentes estrangeiros para as fileiras do EI, cortar-lhes o acesso a financiamentos, tratar do problema da ajuda humanitária e retirar legitimidade ao movimento jihadista.

Uma primeira prioridade será estabelecer um fundo de apoio à reconstrução das zonas de guerra no Iraque, tema levantado pelo primeiro-ministro iraquiano, Haidar al-Abadi, e a que vários países da região do Golfo terão já dado resposta, disse o secretário de Estado norte-americano em Bruxelas. “Não adianta reconquistarmos uma cidade e deixá-la assim para os seus habitantes, que encontrarão lá uma vida ainda mais difícil do que era antes”, reconheceu John Kerry.

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