EUA criaram "Twitter cubano" para provocar agitação na ilha dos Castro

A rede de mensagens de texto começou por fazer circular notícias inócuas. A ideia era lançar depois conteúdo político destinado a promover protestos contra o regime.

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A ideia era espalhar "mensagens de conteúdo político para inspirar os cubanos a criar em rede convocatórias de manifestações" Desmond Boylan/Reuters

Num país onde a Internet ainda é um luxo, a oferta de notícias enviadas para os telemóveis através de uma rede de partilha de mensagens foi bem recebida por 40 mil cubanos, o número máximo de utilizadores alcançados pelo Zunzuneo. Os cubanos que aderiram ao serviço não sabiam que as mensagens eram patrocinadas pelos Estados Unidos; o Governo de Cuba ainda tentou bloquear a plataforma, mas nunca terá chegado a descobrir a sua origem.

A investigação é da Associated Press, que teve acesso a mil páginas de documentos e conseguiu entrevistar vários envolvidos no projecto. Washington não desmente, mas nega que a operação, que custou "milhões de dólares", fosse um programa secreto. "Sugerir que estes são programas clandestinos é simplesmente incorrecto", diz o Departamento de Estado num comunicado. "O Congresso financia programas para a democracia em Cuba, para ajudar os cubanos a ter acesso a mais informação e fortalecer a sociedade civil."

Público é que o Zunzuneo (chilreio de um passarinho em calão de Cuba) não era. Lançado e gerido pela Agência dos EUA para o Desenvolvimento (USAID), o projecto foi mantido secreto graças a um sistema complexo de empresas de fachada, contas bancárias em Espanha e nas ilhas Caimão, servidores sediados em três países e responsáveis contratados sem saberem que estavam a trabalhar para uma agência governamental norte-americana.

A USAID supervisiona programas de ajuda humanitária e garante não se envolver em programas secretos nos países onde actua.

Para identificar potenciais assinantes aos quais anunciar o serviço, a USAID contratou uma empresa, a Creative Associates, que conseguiu aceder a uma base de dados com meio milhão de telefones através de um engenheiro cubano a viver em Espanha. Este obteve-os junto de alguém a trabalhar na Cubacel, a telefónica estatal da ilha. "O projecto reuniu informação demográfica de cubanos sem o seu consentimento e colocou-os em risco potencial diante do regime cubano e da sua censura da Internet", escreve a AP.

"O plano era desenvolver um 'Twitter cubano' elementar, que usasse mensagens de texto enviadas e recebidas por telemóveis para contornar o estrito controlo informativo e da Internet que o Governo de Cuba mantém", descreve a agência. A ideia era começar por enviar mensagens com conteúdo inócuo, sobre desporto e música, e quando a audiência tivesse crescido o suficiente espalhar "mensagens de conteúdo político para inspirar os cubanos a criar em rede convocatórias de manifestações massivas que fossem marcadas rapidamente". A longo prazo, o objectivo era "renegociar o equilíbrio de poder entre o Estado e a sociedade", lê-se num documento da USAID.

Saimi Reys Carmona estudava jornalismo na Universidade de Havana quando soube da existência do Zunzuneo. O anúncio dizia "mensagens gratuitas" e a jovem decidiu subscrever o serviço. "Comecei a enviar uma mensagem por dia", o máximo permitido no início, contou à AP. A certa altura, a popularidade da rede explodiu. "Toda a gente queria ter, em meses cheguei aos 2000 seguidores e não fazia ideia de quem eram nem de onde vinham." Reys percebeu um dia que tinha o segundo maior número de seguidores no país.

"Era uma coisa maravilhosa", diz Ernesto Guerra Valdes, namorado de Saimi Reys Carmona, que chegou a ter mil seguidores. "Nobre." Os dois tentaram perceber quem estaria por trás da rede mas sem sucesso. "Sempre achámos estranho, tanta simpatia e generosidade", diz Guerra. O Zunzuneo era "a fada madrinha dos telemóveis".

Lançada em Dezembro de 2009, a plataforma deixou de funcionar em 2012, depois de algumas tentativas do Governo de Raul Castro para a bloquear. Os cubanos que a aproveitaram enquanto durou ficaram sem perceber o que tinha acontecido, até agora.

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