"Estamos a lutar sozinhos pela democracia" em Angola

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José Eduardo dos Santos foi criticado Armando França/AP

Nunca, desde a independência, se gerou em Angola um consenso político e social "tão grande" sobre a "urgência" de um processo de "alternância" e "democratização". A ideia, lançada pelo representante da oposição, Paulino Pinto João, foi uma das que marcou o primeiro dia da conferência "Angola na encruzilhada do futuro" a decorrer em Lisboa. O colóquio é organizado pela Fundação Mários Soares, com o apoio da organização Open Society, de George Soros.

A presença de um alto representante do MPLA não impediu duras críticas ao partido no poder e ao Presidente angolano. O secretário do Bureau Político para os Assuntos Políticos e Eleitorais do MPLA, João de Almeida Martins, justificou os actuais atrasos na marcação de eleições em Angola pelos "constrangimentos" da guerra, que terminou em Abril de 2002. O painel sobre "Processo de Democratização" contou ainda com a participação do escritor angolano José Eduardo Agualusa e do jornalista e activista dos direitos humanos angolano, Rafael Marques.

A "pluralidade" ficou desde o início expressa por Mário Soares. No discurso de abertura, o ex-Presidente português manifestou o desejo de que este encontro "apresentasse uma visão plural de Angola, sem exclusão de ninguém".

Falou-se da crescente intolerância política, da exclusão do interior do país, de uma liberdade de expressão circunscrita à capital, do interesse do Governo em dar alguns sinais de abertura democrática para apresentar aos parceiros internacionais; falou-se da "privatização do Estado" que a "classe dirigente" tenciona "salvaguardar" ao não marcar eleições; da recusa do Governo em estabelecer o Tribunal Constitucional ou o Provedor de Justiça, previstos na Lei e dos "ataques constantes" feitos a militantes dos partidos da oposição, "e não apenas no interior do país"; comparou-se Angola - e a sua ausência de estratégia para o processo eleitoral - com o Iraque, onde eleições estão previstas para 2005 apesar do país viver ainda em guerra.

Paulino Pinto João, líder dos Partidos da Oposição Civil (POC) sintetizou numa frase: "Estamos a lutar sozinhos pela democracia no nosso país". E apelou a Portugal para se juntar à "corrente de solidariedade" criada em Angola com o lançamento da "Campanha para uma Angola Democrática" que, desde Março, reúne dezenas de partidos políticos e organizações civis num movimento a favor da realização das legislativas e presidenciais no próximo ano.

"Prespectivas animadoras" segundo o MPLA

No painel que juntou João de Almeida Martins, alto representante do MPLA, o representante dessa campanha, Paulino Pinto João, teceu duras criticas ao partido no poder "que existe por força da violência, da exclusão, do saque e do tráfico de influências". E concluiu: "A sociedade está preparada para a mudança".


Não existem sondagens, mas em estudos realizados e consultas populares em quatro províncias de Angola, a população mostrou-se "de forma inequívoca" a favor da realização do voto em 2005 e rejeitou "sem reservas" que se condicione a sua concretização "à aprovação de uma nova Constituição", como tem sido a posição do Governo de José Eduardo dos Santos, salientou Paulino João.

Em nome do MPLA, João de Almeida Martins defendeu que a guerra constituiu o principal factor inibidor de soluções mais avançadas no plano democrático, e que apesar disso, o Governo deu passos, com a introdução do multipartidarismo em 1991, e a aprovação das subsequentes leis. O alto dirigente angolano disse existirem "perspectivas animadoras" no processo de democratização, e prometeu que na definição sobre a futura Constituição o partido no poder procurou ouvir as restantes forças políticas. Repetindo argumentos já expressos pelo Presidente Eduardo dos Santos, Almeida Martins defendeu que se acatassem "os necessários cuidados", para que não se repetisse o falhanço das eleições de 1991 - únicas eleições realizadas em Angola.

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