EUA temem repercussões da escalada de tensão entre Riad e Teerão

Corte de relações pode complicar esforços diplomáticos para resolver guerra na Síria e a luta contra o Estado Islâmico.

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Manifestação em Teerão contra a execução do líder religioso xiita Atta Kenare/AFP

Os responsáveis da Administração americana dizem temer que a abrupta escalada na tensão entre a Arábia Saudita e o Irão possa ter repercussões que se estendam à luta contra o Estado Islâmico, aos esforços diplomáticos para pôr fim à guerra na Síria e a iniciativas mais abrangentes para estabilizar o Médio Oriente.

Imediatamente a seguir ao anúncio da Arábia Saudita de que ia cortar relações diplomáticas com Teerão, depois de uma multidão ter invadido a embaixada saudita no sábado à noite, Washington pediu aos dois lados para recuarem. “Acreditamos que o diálogo diplomático e as conversações directas são essenciais para a resolução das divergências”, disse, domingo à noite, o porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby. “Vamos continuar a apelar aos líderes em toda a região para adoptarem medidas que contribuam para acalmar a tensão”.

O apelo público à calma segue-se aos já longos desentendimentos em relação ao Irão e a outras questões que ensombram as relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita, o seu mais poderoso aliado na região, ameaçando provocar uma grave ruptura.

Em privado, os responsáveis da Administração criticam os sauditas por terem provocado a escalada deste fim-de-semana com a execução do xeque Nimr al-Nimr, um destacado religioso xiita que foi detido há dois anos e condenado à morte sob acusação de ter fomentado a revolta contra a família real saudita. “O jogo que eles estão a jogar é perigoso”, disse um responsável americano, que falou a coberto de anonimato. “Há repercussões maiores do que apenas a reacção a estas execuções”, incluindo possíveis danos às “iniciativas para combater o Estado Islâmico, bem como ao processo de paz para a Síria”, avisa.

A Arábia Saudita deixou claro que o desagrado americano em relação aos acontecimentos do fim-de-semana é pouco relevante perante a sua convicção de que o Ocidente está a ceder ao Irão num conjunto de questões. “Já basta”, disse um responsável autorizado a falar sobre a política saudita, sob condição de anonimato. “Teerão tem desrespeitado o Ocidente, uma e outra vez, continuando a patrocinar o terrorismo, a lançar mísseis balísticos e ninguém está a fazer nada em relação a isso.” “Sempre que os iranianos fazem algo, os Estados Unidos recuam. Os sauditas são os únicos a fazer qualquer coisa”, afirmou o responsável.

“Estamos determinados a não deixar o Irão minar a nossa segurança”, anunciou o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Adel al-Jubeir numa conferência de imprensa em Riad, no domingo. “Estamos determinados em não deixar o Irão mobilizar ou criar células terroristas no nosso país ou nos países aliados. Vamos reagir a qualquer tentativa do Irão para o fazer.”

Apesar de a Arábia Saudita e os EUA terem há muito encontrado uma causa comum nas campanhas contra o terrorismo e na promoção da estabilidade regional, surtos de tensão têm surgido de forma regular desde os atentados de 11 de Setembro.

Os dois países têm discordado com frequência, desde o final de 2011, sobre a resposta à guerra civil na Síria, com Riad a defender uma resposta mais musculada, incluindo uma intervenção militar directa e a entrega de armamento sofisticado à oposição síria. O Irão, tal como a Rússia, é o principal aliado do Presidente sírio Bashar al-Assad, membro da minoria alauita, uma seita xiita, e Riad olha para a guerra civil como parte da luta do Irão para se tornar a força dominante na região.

No Iémen, os EUA e a Arábia Saudita têm cooperado na campanha contra a Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) e apoiaram os esforços para colocar em funções e estabilizar um governo mais cooperante. Quando, em Março, os sauditas começaram a bombardear os rebeldes iemenitas liderados pelas milícias da tribo houthi, os EUA forneceram-lhes algum apoio, ao mesmo tempo que criticaram de forma discreta a insistência saudita em afirmar que os houthi não são mais do que um braço da agressão iraniana.

Mais importante foi a oposição saudita ao acordo sobre o programa nuclear iraniano, que os negociadores liderados pelos EUA finalizaram no Verão passado com Teerão. Assim que o acordo estiver em prática, os Estados Unidos e as outras potências vai levantar as sanções internacionais contra o Irão, canalizando dinheiro para os cofres do seu governo que Riad acredita que será gasto a expandir a sua influência na região.

Tal como outros opositores do acordo, dentro e fora dos EUA, a Arábia Saudita acredita que o Irão vai continuar a tentar desenvolver armas nucleares em segredo. A Administração americana discorda frontalmente, alegando que as medidas de verificação e monitorização acordadas – juntamente com os termos do acordo que obrigam Teerão a desmantelar boa parte da sua infra-estrutura nuclear – vão limitar o programa iraniano à produção de energia.

Washington tem também criticado com frequência o sistema judicial saudita, em particular as decisões que visam suprimir a dissidência política pacífica. Apesar de não se ter juntado à condenação internacional à prisão e condenação de Nimr, fontes da Administração dizem que o assunto tem sido repetidamente evocado nos encontros privados com os líderes sauditas, na medida em que arrisca ter repercussões na região e em todo o mundo muçulmano.

Mas no geral, a Administração americana acreditava, antes da execução de Nimr, que apesar das tensões ocasionais, as suas relações com o reino tinham regressado a uma confortável velocidade de cruzeiro com a chegada ao trono do rei Salman, em Janeiro, após a morte do meio-irmão, o rei Abdullah.

A promessa de Obama, na Primavera passada, de reforçar a assistência militar e a venda de armas aos aliados do Golfo Pérsico logo após o acordo com o Irão manteve as divergências afastadas dos olhares públicos durante grande parte de 2015. Mais recentemente, a Administração empenhou-se em trazer sauditas e iranianos para a iniciativa diplomática que visa pôr fim à guerra na Síria e deixou que se empenhassem na luta contra o Estado Islâmico.

No mês passado, Teerão e Riad estiveram pela primeira vez à mesma mesa e aceitaram um acordo, forjado pelo secretário de Estado norte-americano, John Kerry, para conseguir juntar a oposição síria e os representantes de Assad em negociações com vista à formação de um governo de transição e a eventuais eleições. Em meados de Dezembro, na sequência daquele acordo, Riad acolheu grupos desavindos da oposição que aceitaram formar um comité negocial para as conversações com o regime, sob os auspícios da ONU, previstas para 25 de Janeiro.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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