Espanha desbloqueada. E a grande dúvida dos socialistas

Há uma frase, repetida pelos defensores da viabilização do Governo Rajoy, que ilustra a equação que divide o PSOE: “Abstenção não é apoio.” Por cá, há um ano, também foi assim. Veremos que resposta se revela mais eficaz.

Foram precisos dez meses, duas eleições, muitas negociações falhadas, várias discussões internas e uma demissão do líder. Mas ontem o PSOE formalizou — enfim — a intenção de viabilizar um novo governo em Espanha. 

O voto de ontem não pode, ainda, ser dado por definitivo. Assim o indicam as 56 intervenções na reunião dos socialistas, como a intenção declarada dos seus companheiros da Catalunha de, nas cortes espanholas, contrariar a decisão e votar contra o Governo PP/Cidadãos. Mais do que isso: a reviravolta nos socialistas, mesmo concretizando-se, deixa muitos pontos de interrogação sobre a estabilidade que este novo executivo pode dar ao nosso país vizinho. Tudo depende, em muito, das eleições que dirão quem vai ser o próximo presidente dos socialistas e da estratégia que for (por ele ou por ela) defendida.

Há uma frase, ontem muitas vezes repetida pelos defensores da viabilização do governo Rajoy, que ilustra como nenhuma a equação que divide o PSOE: “Abstenção não é apoio.” A questão tem uma dimensão táctica (bastará essa abstenção para que a direita continue a governar); e uma muito mais profunda (o PP tem a legitimidade de ter vencido duas eleições seguidas e obstaculizar o seu Governo levanta sérias questões sobre uma concepção de democracia). Mas nada disto seria tão discutível se o PP tivesse garantido os apoios para uma maioria absoluta. O voto decisivo é, neste caso, o do PSOE.

Em Portugal, há um ano, o voto decisivo também era do PS — e os socialistas tiveram a mesma dúvida: “Abstenção não é apoio?” Porém, António Costa teve duas vantagens que lhe permitiram dizer “não” ao convite de Passos para fazer um Bloco Central. E para formar um governo, mesmo sendo o segundo mais votado: a ausência do factor independentista (Catalunha à cabeça); o menor peso do Bloco (face ao do Podemos) e a capacidade de fazer uma maioria na Assembleia, que até aqui lhe assegurou estabilidade. Veremos até quando.

Aqui ao lado, muitos meses depois de uma luta interna fratricida, os socialistas abdicaram. Com as sondagens a mostrar a irritação dos eleitores, o PSOE evitou as terceiras eleições consecutivas. E, tudo indica, permitirão a Mariano Rajoy formar governo. Isso será bom para Espanha, desbloqueando o país. Mas só o será efectivamente se Rajoy tiver tempo e habilidade para governar, necessariamente de uma forma mais negociada do que antes.

Veremos, nos próximos meses, se isso acontecerá. E qual das duas respostas àquela dúvida dos socialistas se revelou mais acertada, mais eficaz: a portuguesa ou a espanhola.

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